Essa
história aconteceu de verdade com dois discentes da UFFS, que misteriosamente
desapareceram na noite do dia 27 de novembro, após partirem rumo à mata
localizada atrás dos laboratórios do campus Realeza, indo na direção de uma estranha
luz de um vermelho vivo, escarlate.
Desde
o primeiro dia de aula, os olhos verdes de uma moça raptaram o coração de um
colega. Ele, com uma natureza tímida, não sabia o que dizer, nem como dizer,
nem por que dizer qualquer coisa para ela. Só um ano depois conseguiu sentar-se
mais próximo, realizar algumas atividades de sala em grupo, marcar encontros de
estudo com ela e mais outras pessoas. Dentre essas outras pessoas, um outro
colega de turma que, por ser mais extrovertido, conseguiu conquistar aquela
moça e começarem um namoro. Porém o rapaz tímido não se deixou abater. Se ela
estava feliz, e parecia que sim, pelo brilho que se via nos olhos dela, ele
estaria feliz.
E
assim os anos passavam. Os dois tornaram-se grandes amigos. Mas o rapaz mantinha
aquele amor platônico, idealizado, destinado a ser espiritual. A moça
permanecia alheia de todo esse sentimento de que era musa. Gostava daquele
rapaz, pois podia conversar com ele de modo franco, sempre estava em
disponibilidade e, nas raras ocasiões em que não se falaram (uma viagem, uma
doença, uma revolta), ela sentiu-se perdida por não ter aquele interlocutor.
O
único que não só percebia, mas sentia certo incômodo da situação, era o
namorado. Ao mesmo tempo em que sabia da importância que aquele rapaz tinha
para a sua namorada, tinha grandes ciúmes, pensando que ele poderia representar
uma ameaça. Por isso, no terceiro ano de graduação, num momento em que estavam
somente os dois homens, indo para o Laboratório 1, ele segurou o rapaz pelo
braço e falou, com firmeza e força: “Eu já reparei em como você olha para ela.
Acho que a universidade inteira já reparou também. Como eu sei que vai ser um
problema vocês simplesmente pararem de falar, porque ela vai querer saber o
motivo, quero dizer que, se você tentar qualquer coisa além disso, vai levar
uma surra”. O rapaz, sem saber o que dizer, apenas concordou com a cabeça.
“Aliás, mesmo que você tentasse alguma coisa, nem ia adiantar. Você é um irmão
para ela, e só”.
Essa
angústia do amor a distância, mesmo com ela tão próxima, continuou a
consumi-lo. Além dos olhares atentos do namorado a cada gesto que fazia.
Eis que chegou o último semestre do curso e,
com ele, aquele sentimento estranho de despedida antecipada. No dia 27 de
novembro, uma sexta-feira, a sua turma teria aula no Laboratório 106, e o rapaz
e os namorados foram juntos para lá. Estavam atrasados, por isso foram rápido.
Ao chegarem, não havia ninguém, a porta estava fechada e o longo corredor
parecia interminável. Já não havia mais a luz do sol, entrando naquele momento
de penumbra, em que as sombras começam a se alargar. Acharam estranho essa
ausência de pessoas.
O namorado disse que tinha de ir ao banheiro,
depois procurariam os colegas e a professora. Antes de entrar no banheiro,
lançou um último olhar ameaçador, não percebido pela moça, em direção ao rapaz,
que logo baixou a cabeça. Os dois ficaram esperando. A moça começou a falar
sobre o relatório de estágio, mas o rapaz só admirava aqueles olhos verdes e
pensava que o tempo de se declarar estava terminando. Mesmo que apanhasse,
mesmo que perdesse aquela amizade, mesmo que nunca mais eles se encontrassem,
era preciso aliviar aquela angústia que vinha se arrastando há tantos anos.
Quando ele disse o nome da moça, ela deu um
grito assustado. Uma mariposa, passou sobre o rosto dela, deu três voltas ao
redor de suas cabeças e, voando de modo impreciso, caiu sobre o bebedouro.
Ambos olharam para o inseto, que devia ter o tamanho de três dedos juntos, e que
estava se debatendo numa pequena poça de água. Um pó vermelho, brilhante, desprendia-se
e boiava. O rapaz e a moça pareciam hipnotizados pelo bater das asas e pelo pó
que se dissipava.
Foi então que o olhar de ambos se desviou
alguns centímetros para o lado e viram, por trás da porta de vidro dos fundos
do Laboratório 1, uma luz vermelha. Primeiro estava suave e distante, como se
fosse uma lanterna que estivesse além da mata ao fundo. Mas ela crescia, em
tamanho e intensidade, tornando-se uma bola escarlate que parecia pulsar,
revelando, em seu interior, uma estranha forma humanoide. Não havia contornos nítidos, mas o ser possuía um corpo magro, pernas e braços finos e
compridos e uma cabeça lisa e pequena.
Os dois mal conseguiam mover a cabeça, somente
as pernas, quase sem o pensamento perceber. Estavam indo em direção àquela luz
e rumo à escuridão da noite e da mata fechada. O ser envolto na luz vermelha,
com os longos braços abertos, ia se distanciando aos poucos, guiando o caminho
de terra e grama até as árvores. Acompanhava aquela visão um som tão melodioso,
tão agradável e encantador, que quase fazia lágrimas descerem das faces dos
acadêmicos, como se fosse a mais bela composição humana ou divina já executada.
Quem primeiro entrou na mata foi a moça, com o
rapaz logo em seguida. A luz se insinuava atrás de uma grande árvore, com um
tronco de quase dois metros de diâmetro. Contudo, após alguns passos naquela
direção, o brilho vermelho foi diminuindo, até se extinguir. A moça parou
subitamente. O rapaz ainda deu alguns passos, olhou por detrás da árvore, mas
não enxergou nada. Como se acordasse de um transe, o rapaz olhou em redor e não
entendia como tinha chegado ali. Falou para a moça que tinham de voltar para o
Laboratório, mas a moça, baixando a cabeça, arregalou os olhos: “Estou presa!”.
Realmente, seus pés estavam enterrados fundo,
com a terra na altura da canela. Ela curvou-se para cavar a terra ao redor, mas
logo ergueu os olhos verdes (agora estáticos) de um terror desconhecido. Das
pontas de seus dedos, pequenas folhas brotavam, e sua pele começou a apresentar
veias grossas, marrons e a ficar dura, como casca de árvore. O rapaz, diante de
tal acontecimento, começou a gaguejar, misturando-se suspiros e soluços, e
disse, numa torrente de palavras, que ia salvá-la de algum jeito, que não
conseguiria viver sem ela, que desde o primeiro dia de aula não conseguia
pensar em outra coisa senão em seus olhos verdes, em sua boca, enfim, em como a
sua própria felicidade estava condicionada a ela ser feliz, e ser feliz com
ele.
Em algum momento durante toda a fala do rapaz,
a moça deixara de ouvir. Ela ficou imobilizada, transformada, e
crescendo e crescendo, até ficar com um formato semelhante ao da outra árvore
que ali estava, logo ao lado. O rapaz ainda se ajoelhou e abraçou aquele
tronco, chorando lágrimas de angústia. Foi quando sentiu um calor vindo de suas
costas e, quando se virou, a luz escarlate estava tão clara, tão brilhante, tão
perto. Sentiu-se envolvido por tudo aquilo, num misto de amor e tristeza, e
começou a diminuir, até que desapareceu, dentro daquele feixe luminoso.
Essa história aconteceu de verdade com dois discentes da UFFS.
O
namorado, quando saiu do banheiro, ainda conseguiu ver os dois andando em
direção à mata. Tentou chamá-los, mas eles não o ouviram. Quando tinha pensado
em ir atrás, a luz vermelha começou a brilhar e ele. Não conseguindo segurar os
gritos, correu até o Bloco A, pediu ajuda e tentou explicar algo que ele não
sabia explicar. Enlouqueceu uma semana depois. Os dois estudantes não foram
mais localizados, apesar das muitas buscas realizadas.
A
Direção do Campus, diante dos fatos inexplicáveis, tomou a única atitude
possível: não deixa mais a porta traseira dos Laboratórios aberta.
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