domingo, 18 de março de 2018

O QUINTO ANDAR


            Essa história aconteceu de verdade com um estudante de Medicina Veterinária da UFFS.
            Não há muito o que se fazer na Universidade, quando não se está nas salas de aula. Pode-se ir à biblioteca, ficar conversando nos bancos, olhando as pequenas coisas que vão se sucedendo no tempo parado.
Com o ônibus vindo somente ao final da tarde, com as aulas já encerradas e sem nenhum colega por perto, o estudante pensou em matar os minutos jogando pingue-pongue na salinha que montaram no quinto andar. Talvez o saguão deserto fosse apenas indício de que alguns alunos estariam lá.
Subiu todas as escadas, deu três leves batidas no corrimão, antes de chegar à última porta. Do lado de dentro, podia-se ouvir o barulho característico da bolinha de pingue-pongue batendo, então ele animou-se e girou a maçaneta. A porta abriu e, ao invés de encontrar duas ou mais pessoas jogando, encarou apenas um silêncio pesado e um feixe de luz projetado, com partículas de poeira dançando.
            Andou devagar para dentro, apenas para certificar-se de que não havia ninguém mesmo, quando, na direção do canto direito, começou a se fazer ouvir, muito baixo, quase como um sussurro, um choro ou, pelo menos, um lamento muito triste. Arriscou mais alguns passos, e foi quando viu, semiocultada pela parede, agachada, uma mulher usando roupas brancas, com as mãos postas sobre o rosto coberto pelos compridos cabelos pretos.
            Com certo temor e receio de ser incomodativo, aproximou-se para saber se ela precisava de ajuda. Ela ergueu-se de repente e gritou: “Sai!”. As mãos da mulher se afastaram, revelando um rosto que estava totalmente machucado, escurecido. A boca era uma chaga aberta, sem dentes. Os olhos, dois poços nos quais nenhuma luz entrava ou se refletia.
            O susto do rapaz foi tão grande que desceu a escada de quatro em quatro degraus. Tropeçou e rolou, batendo a cabeça na parede e ficando com o rosto virado para a porta do quinto andar. Muito devagar, como se usasse o intervalo de várias horas, um braço branco, tomado por veias azuis, esticou-se e foi fechando aquela porta, sem qualquer ruído.
            Ainda tonto da queda, o estudante desceu mais um andar, quando achou dois vigilantes, que subiam para verificar o tinha sido aquele barulho. Falando coisas desconexas, “uma mulher... bolinha... gritando... cabelos”, apontou para a porta e afastou-se do caminho.
            Os vigilantes abriram a porta com cuidado, abriram as janelas, vasculharam os cantos todos, mas nada encontraram. Quando um deles estava saindo, sem querer, chutou uma bolinha de pingue-pongue que estava no chão, e ela foi quicando os degraus todos, num ritmo sereno e inocente.

            Essa história aconteceu de verdade com um estudante de Medicina Veterinária da UFFS.
Os vigilantes ficaram desconfiados, mas não deram muita importância ao fato. Possivelmente o rapaz estava imaginando coisas. Mas ele, por via das dúvidas, a partir desse dia, resolveu passar o tempo e exercitar suas habilidades em partidas de xadrez, mais calmas, sem sustos e, principalmente, no térreo.


A NOIVA


Essa história aconteceu de verdade com um vigilante da UFFS.
Nas primeiras horas da madrugada, um vigilante saiu da guarita, olhou pelas portas de vidro da entrada e subiu as escadas do Bloco A para fazer a ronda de rotina nos andares. O barulho das chaves em sua mão marcava o ritmo dos passos, inclusive fazendo um eco, por ser o único som existente.
Esse vigilante era muito sistemático, e a cada andar olhava pelas janelas o amplo estacionamento (a essa hora, vazio), passava pelas portas dos três elevadores e percorria as salas pelos números decrescentes, fazendo toda a volta no andar. Sempre abria cada sala, lançava a luz da lanterna em panorama, trancava a porta e dava uma pequena batida no batente com o cabo da lanterna. Era uma forma de autoafirmação, como se marcasse um ponto para si mesmo.
Quando estava no quarto andar, olhou para o interior da sala em que os estudantes geralmente ficam e percebeu, sem muita importância, um feixe de luz amarelada. Reflexo da lua, por certo. Começa a volta e, quando marcou o ponto perto do bebedouro e da sala 406, julgou escutar um barulho no outro lado do andar. Como se alguém estivesse amassando peças de roupa, ou vestindo...
Achou estranho, mas podia ser somente o som das árvores lá fora, ou o próprio cansaço de subir todas aquelas escadas. Continuou a andar, pelo outro lado do corredor, até regressar à sala dos alunos. Olhando de relance, notou que, lá dentro, estava uma mulher branca, muito branca, vestida de noiva, com cabelos encaracolados muito loiros e esvoaçantes e olhando para ele através do vidro, com olhos negros que parecem abismos. Ela fez um gesto para ele se aproximar e ele, hipnotizado, vai andando passo a passo.
Quando o vigilante quase estava encostando seu rosto no vidro, tão perto que a respiração começava a embaçar, aquela estranha mulher, sorridente, aproximou-se também e falou, com uma voz doce e angelical: "Eu perdi meu noivo num acidente logo ali, na estrada. Você não quer casar comigo?".
Ele não sabia o que responder. Toda aquela situação era absurda e não havia maneira segura de escapar. Segurando a lanterna com força na mão esquerda, sentiu a sua aliança pressionar os dedos. Então, tentando disfarçar o terror com uma voz tranquila: “Não posso, moça. Sinto muito. Você é muito bonita, mas eu sou casado, fiel à minha esposa. E eu preciso trabalhar”.
Houve uma transformação, o ar todo pareceu congelar e a figura feminina se contorceu. Os cabelos se tornaram agulhas, as mãos se tornam garras, os olhos ganham um brilho de ódio. E ela, apontando-lhe um dedo negro e trêmulo, "Então terei de me casar com outro!".
E sumiu.

Essa história aconteceu de verdade com um vigilante da UFFS.
A noiva não foi mais vista, ou porque foi para outro local atrás de um marido, ou porque ainda não encontrou outro pretendente sozinho pela UFFS. E o vigilante, no fim de seu turno, voltou para casa, abraçou-se com sua esposa, beijou-a e declarou que nunca se separaria dela, pois percebeu que o casamento é capaz de salvar a vida de um homem...

OCUPADO!


Essa história aconteceu de verdade com um estudante da UFFS.
            Nos laboratórios, há um grande trânsito de gente. Nos inícios e finais das aulas, o corredor é subitamente tomado por conversas, risadas, portas abrindo, enfim, pessoas. No resto do tempo, algum funcionário transita, acadêmicos vão apressados para alguma sala. As luzes quase não são acesas durante o dia, pois não se vê necessidade, e sempre é bom manter uma consciência ecológica.
            Um aluno de Ciências Biológicas estava desenvolvendo uma pesquisa sobre as espécies vegetais do entorno da UFFS, há mais de dois anos, e praticamente vivia no laboratório 301. Mesmo nas tardes livres, gostava de ficar por ali, ou andar pelo campus, ou analisar amostras das últimas plantas recolhidas.
            Em um fim de tarde, com um silêncio pesado imperando, só interrompido por trovões abafados, ele fechou o armário e pensava em comer alguma coisa enquanto esperava as aulas da noite. Trancou a porta, entregou a chave ao técnico de plantão e, antes de sair, pensou em ir ao banheiro.
            As lâmpadas estavam apagadas, pois ainda havia uma sutil iluminação externa do sol, mesmo oculto por várias nuvens. O estudante se olhou no espelho, abriu a torneira e jogou um pouco de água no rosto. Ela não estava somente fria, estava estranhamente gelada, quase contendo cristais de gelo ou, pelo menos, assim pareceu-lhe. O fio de água minguou e fechou-se. Uma brisa ligeira, vinda de lugar nenhum, passou por ali, causando-lhe um calafrio. Soltando um riso curto de descrédito, apertou novamente a torneira, para comprovar a temperatura da água. Dessa vez, um vapor envolveu toda a pia, com o calor daquela água em ebulição.
            O rapaz deu um salto para trás, arregalando os olhos. Suas mãos estavam tremendo e ele não acreditava que tal mudança abrupta de temperatura fosse fisicamente possível, naquele ambiente. Já querendo secar as mãos e ir embora dali, olhou sem muita atenção para o piso na frente dos sanitários. De um deles, o terceiro a partir da porta, havia pegadas de terra em direção à saída. Como ele não tinha percebido isso ao entrar? Como aquilo não foi esfregado pelas mulheres da limpeza? E – após olhar com mais atenção – por que pareciam feitas de pés descalços?
            Tentou abrir aquela porta, mas ela estava trancada por dentro... Ajoelhou-se, espiou por baixo, não enxergou nada.
            Foi quando um suave som, como um engasgo, foi ouvido do outro lado daquela porta. Com muito medo, mas talvez sentindo mais curiosidade, o estudante bateu de leve, perguntando se estava tudo bem. Por alguns instantes, o barulho cessou. Depois, o trinco foi acionado e a porta começou lentamente a se abrir.
            Sentado no vaso sanitário estava um menino magro, pequeno, sem camisa, com os pés descalços sujos de terra. Mas o que mais se destacava eram os seus cabelos vermelhos, com uma cor de fogueira alta e viva, e seus olhos, como dois tições acesos, e sem pálpebras.
            O estudante deu três passos para trás até esbarrar nas pias e segurou-se com mãos trêmulas para não cair no chão. Os olhos do menino o encaravam, abriam-se em abismo indefinível, com somente uma centelha de luz morta oscilando no fundo. Saltou do vaso sanitário, pisando no chão com um som molhado, de barro sob os pés.
            “Vocês mataram muitas plantas para construir isso aqui”. O tom de voz do menino parecia transmitir uma repreensão, mas carregava também muita tristeza. O estudante gaguejou alguma coisa aos modos de desculpa, mesmo sem saber direito pelo que se estava desculpando.
            Mais passos foram dados. O menino de olhos profundos e cabelo cor de fogo já estava muito próximo, quase ao alcance do braço estendido. Foi então que houve uma mudança súbita: os cabelos se eriçaram, parecendo inflamar-se ainda mais; os olhos adquiriram uma coloração de ferro em brasa; os dentes, num sorriso tenebroso, estavam cobertos de um limo verde-escuro. “E isso não vai ficar assim!”
            Juntando forças desconhecidas, o estudante saltou pela pia, contornou a porta do banheiro e disparou em loucura pelo corredor, batendo em todas as portas e armários, tentando chamar a atenção de alguém. Um técnico estava voltando, estranhou o barulho e quis saber o que houve.
            O estudante apenas apontou para o banheiro, banhado em suor frio e mal conseguindo respirar. O técnico foi até lá, mas não encontrou nada. Apenas algumas pegadas de barro, que traçavam um caminho desencontrado até a janela que dava acesso aos fundos do edifício.

            Essa história aconteceu de verdade com um estudante da UFFS.
          Ninguém mais viu o estranho menino, embora às vezes sopre um vento dentro dos laboratórios, mesmo com portas e janelas fechadas, acompanhado de um som de engasgo. Quando ao estudante, ele abandonou a pesquisa e agora planta uma árvore por semana, pelo menos, e nem pisa mais na grama, com medo de estar sendo indelicado com a natureza.

O MISTÉRIO DA ÁRVORE


Essa história aconteceu de verdade com duas estudantes de Medicina Veterinária da UFFS.
Eram amigas de longa data, de pais e avós vizinhos de porta. Viveram sempre unidas, ligadas, pareciam até irmãs, diziam todos. Brincaram juntas, cresceram juntas. Estudaram juntas para passar no curso de medicina veterinária. As amigas se mudaram para cidade de Realeza, com todo o turbilhão de novidades que uma graduação oferece, novos professores, novas pessoas, tudo novo para envolver uma amizade antiga. A própria Universidade estava recém-instalada no campus definitivo, com alguns lugares ainda em construção.
Nos meses que seguiram do curso, uma das moças começou a apresentar uma mudança de comportamento. Ela fez novas amizades, ia em festas e encontros sozinha, quase sempre sem a presença da outra.
Esse distanciamento só se foi alargando com o passar do tempo, de modo que, no segundo ano de graduação, aquela moça viu sua grande amizade resumir-se a cumprimentos secos e mínimos.
Um dia, enquanto ela esperava o ônibus sozinha, uma garota aproximou-se. Conversou longamente, viu que tinha muito em comum com aquela nova moça, e notou que a amizade é algo que sempre deve ser cultivado e, quando se esquece e ignora, acaba por morrer.
Nos dias que se seguiram, ela ficava procurando a nova moça. Esquecera-se de perguntar qual era o curso que fazia. Acabou por encontrá-la sentada na grama, do lado de fora do Bloco A, isolada. Ela tinha uma feição distinta de qualquer pessoa, tinha olhos castanhos, cor de terra, a pele suavemente queimada e um vestido de tons verde-escuros.
Depois de mais algumas semanas, no início de julho, com o inverno se anunciando e as árvores já despidas de todas as folhas, aquela garota aconselhou a nova amiga a tentar uma última aproximação com a “ex-amiga”. Como a UFFS estava em época de avaliações finais, não haveria muita gente, então poderiam se encontrar no pátio em construção entre os blocos de laboratórios e conversar à vontade.
Fazia uma tarde de frio, estranha e chuvosa, de muito vento. As árvores da mata atrás dos laboratórios pareciam acenar, de tão forte que eram as rajadas. Entre morros de terra, buracos e blocos de concreto, as duas conversaram por um longo tempo, esquecerem de tudo e de todos.
Por fim, a amizade estava restabelecida, quando perceberam a garota de vestido verde estava se aproximando, andando enigmática no meio do vendaval. A chuva parecia descer à volta dela, sequer a tocando, enquanto seus cabelos balançavam ao vento. Ela abraçou-se às duas moças, com uma força descomunal. Arrastou-as até um dos buracos destinados à arborização do pátio e, sem levantar o tom de voz, mesmo com rajadas de vento uivando por todos os lados, falou que era um ser da natureza e que desejaria voltar ao seu estado original. Para isso, precisava da essência vital de dois humanos ligados por laços de amizade. Seus braços começam a se tornar troncos e o vestido aumentava, envolvia aquelas moças.
As amigas mal tiveram tempo de pensar no que estava acontecendo, apenas conseguiram erguer os braços, tentando escapar, mas foi em vão.

Essa história aconteceu de verdade com duas estudantes de Medicina Veterinária da UFFS.
As famílias das duas moças vieram para procurá-las, mas não havia qualquer informação. E quando os operários vieram para terminar o serviço de arborização do pátio na frente dos laboratórios, estranharam que uma das árvores já estava plantada, com raízes tão fundas que parecia já ter décadas, e galhos que, quando estão sem folhas, parecem dedos que se esticam...


A MOÇA DOS OLHOS DE PRISMA


Essa história aconteceu de verdade com uma estudante da UFFS.
            Havia uma estudante na UFFS que chamava a atenção logo no primeiro olhar. Não havia qualquer reclamação, de qualquer natureza, que pudesse ser feita a ela. Os professores todos (mesmo os mais turrões) a admiravam, pela curiosidade que demonstrava e pela rápida conexão entre assuntos altamente complexos. Os colegas também (mesmo aqueles que mascaravam uma inveja insinuante) ela não se achava superior aos demais, antes se dispunha a ajudar quem pedisse, não impondo sua visão ou demonstrando uma necessidade de autoafirmar-se. E como se não bastasse a apurada e criativa inteligência que possuía, também era dotada de uma rara beleza, não daquelas que ofuscam, mas parecia tranquilizar e confortar quem olhava para ela, e que recebia de volta aquele olhar egípcio, de uma cor indefinida, que mudava e oscilava em tons castanhos, verdes e pretos, conforme a luz incidia sobre a íris.
            Enfim, para que justiça seja feita, havia uma atitude dela que incomodava alguns: ela sempre ia para casa a pé, sozinha, mesmo à noite. Evitava caronas, companhias na hora de despedir-se. Simplesmente ia andando pela rua Magnólia, até sumir-se na curva distante.
            Uma das moças que mais estranhavam tal comportamento era sua colega de classe. Já tinha oferecido carona algumas vezes, mas sempre recebia uma negativa. Algo não estava certo, pois aquela moça tão bonita, andando sozinha sem medo algum, por ruas mal iluminadas, parecia uma tragédia anunciada. Por certo que junto com essa preocupação havia um misto de curiosidade e ciúme da coragem, mas enfim, é possível às mulheres terem todos esses sentimentos sem a prevalência de nenhum deles.
            Numa noite particularmente escura, com trovões e a ameaça de chuva, a moça despediu-se e começou a fazer o caminho de volta a casa. Mais uma vez, sozinha. A sua colega, sem dizer uma palavra, esperou alguns minutos e começou a segui-la. Tomando cuidado para não ser vista ou ouvida, andava em meio à escuridão tendo como orientação somente o vulto da moça, algumas dezenas de metros à frente.
            De repente, sem nenhuma indicação prévia, a moça virou à esquerda e embrenhou-se na mata. A sua colega, passado o estranhamento inicial, decidiu ir atrás dela. Tentando fazer o mínimo de barulho possível, afastando os galhos com delicadeza, andou durante cinco minutos e achou uma casa velha, de madeira, com uma única janela, ou melhor, um buraco, e uma porta entreaberta.
            “É possível que ela more aqui?”, ela se perguntou, antes de bater na porta e entrar. Não havia luz, apenas os clarões ocasionais de um raio exterior. Conseguiu distinguir que havia um balcão num dos lados da sala, cheio de pequenas bolas de vidro, postas aos pares. Aproximou-se e, cheia de horror, percebeu que se tratavam de olhos.
            Travou um grito na garganta e virou-se para fugir. Mas a moça, dona da casa, estava parada à porta. Com um sorriso estranho, deu três passos em sua direção, ergueu as duas mãos e, com um movimento rápido, removeu os próprios olhos de prisma, deixando somente dois buracos vazios. “A curiosidade é uma coisa muito perigosa... Quem olha o que não deve, pode perder o que viu...” Mesmo com os olhos jazendo em suas mãos, as pernas pareciam saber exatamente para onde estavam indo. “Há muito tempo que moro aqui e sempre tive vontade de ver o mundo como as outras pessoas veem. Por isso, cada par desses me permite absorver tudo que os outros viram, captaram e perceberam. Eu sou a soma de todas essas visões. E quero mais. Muito mais. Sempre é bom olhar o mundo através de olhos curiosos, como os seus...”

            Essa história aconteceu de verdade com uma estudante da UFFS.
            Por vezes, sem explicação, bons alunos saem do curso e não são mais vistos... A curiosidade é perigosa, quando mal aplicada. Assim, se você conhece alguém que tira boas notas e parece ter mistérios no olhar, ao invés de segui-lo, estude mais e não se meta na vida dos outros!

DEVOLVA A PEDRA, AMIGO


Essa história aconteceu de verdade com um formando da UFFS.
            Toda a gente sabe que o processo de concluir um curso de graduação, independente de qual seja, exige do aluno uma série de comprometimentos. São muitos professores, são muitos textos, e são poucos momentos em que se pode desligar desse mundo. Da mesma forma, o Trabalho de Conclusão de Curso torna-se sinônimo de angústia e ansiedade, seja na figura do orientador que não se envolve ou se envolve demais, seja nos materiais que são poucos ou são muitos, seja na escrita que não vem...
            Quando, enfim, o trabalho é entregue, nem assim a tensão some, pois ainda se deve apresentar diante de uma banca. No caso daquele formando, ele chegou à UFFS no meio da tarde. Ele tinha uma alta tendência antissocial. Não conseguia se concentrar em casa para terminar sua apresentação, pois sua irmã estava no andar de baixo. E os vizinhos estavam sentados na varanda, olhando a paisagem. Então pensou em ir à universidade, sentar-se na biblioteca e, em meio ao silêncio e aos livros, arrumasse as informações na meia dúzia de slides que faltavam.
            Mas até a respiração do bibliotecário no outro extremo da sala, uma mosca batendo no vidro, tudo era fonte para o desconcentrar. Não queria ninguém à sua volta! De maneira brusca, levantou-se, pegou o notebook, e foi para trás do Laboratório 2. Àquela hora, já com o sol se ocultando, com as sombras longas do edifício e das árvores em redor, não havia qualquer pessoa visível. Enfim, a paz da solidão!
            Na verdade, todo aquele silêncio até lhe dava certo incômodo. Parecia entrar numa dimensão paralela, em que somente ele existia, e até o vento se ausentara. O formando expulsou de sua cabeça essa paranoia, pois toda a sua concentração deveria estar na tela do computador. O relógio, indiferente à tensão, rodava seus ponteiros rumo à hora de sua apresentação. O jovem encostou-se à parede externa do Laboratório 2, sentou-se no chão e começou a trabalhar.
Faltava menos de uma hora para a defesa, as sombras já dominavam quase totalmente a paisagem da UFFS, e nem um slide a mais havia sido feito. O formando começou a sentir raiva de si mesmo, depois de estudar tanto aquele assunto, já ter escrito artigos, apresentado trabalhos em eventos, como era possível estar travado nessa hora? Começou a olhar perdido para os lados, encarou com a cabeça mal voltada para a mata atrás do Laboratório 2 e, num processo associativo, lembrou-se de uma história que ouvira, quando menino:
Sempre que os tropeiros andavam por aquelas terras, quando se passavam dias sem encontrar residência, às vezes se faziam pactos com seres das matas (alguns benéficos, outros nem tanto). Jogavam uma pedra na mata, suplicavam um pedido. Assim que fosse atendido, tinha de dizer “Devolva a pedra, amigo!”. Ela seria jogada de volta e se devia imediatamente colocar essa pedra junto com presentes de agradecimento, caso contrário o ser poderia perseguir o viajante...
Rindo-se por se ter lembrado dessa história, segurou uma pedra redonda que estava ali ao lado, jogou longe na mata e pediu, implorou que conseguisse terminar a apresentação a tempo. Por alguns minutos, nada aconteceu. Um pequeno galho que tinha dobrado com o peso da pedra voltou ao lugar. Tudo continuou parado.
O jovem balançou a cabeça, respirou fundo e voltou para a tela do computador. Por ter desviado sua atenção, toda aquela informação tornou-se mais clara a ele. Não havia necessidade de incluir tudo aquilo na apresentação. Bastava concluir, retomando os pontos dos três primeiros slides, e explicar a partir dos dados coletados e das experiências feitas.
Dez minutos depois, ergueu-se com a energia de um vitorioso. Lá estava ela: a sua apresentação. Exata, precisa, sem informações desnecessárias, como ele queria.
Arrumou sua mochila e estava pronto para enfrentar a banca, quando um pensamento cruzou seu olhar. Será que ele conseguiu terminar, porque fez o pedido ao “ser da mata”? Na dúvida, ergueu um braço e falou com certo desdém, como se recitasse: “Devolva a pedra, amigo!”.
Três segundos se passaram, um vento soprou e a pedra lançada veio, rolando devagar, pelo pequeno morro de acesso à mata.

Essa história aconteceu de verdade com um formando da UFFS.

            Ele não conseguiu defender o TCC naquela noite, nem naquele mês. Só conseguiu pisar novamente na universidade no ano seguinte. Teve de fazer um acompanhamento psiquiátrico e tomar remédios pesados para a ansiedade. Em compensação, tornou-se mais sociável, não aguentando ficar mais do que dez minutos sozinho.

BEM PATRIMONIAL


            Essas histórias aconteceram de verdade com as funcionárias da limpeza da UFFS.
            Antes da UFFS funcionar no prédio definitivo, durante alguns anos, as aulas e atividades foram desenvolvidas no Centro de Eventos da cidade, onde fora uma antiga fábrica, cujo proprietário, Rubens Cesar Caselani, hoje, dá nome a uma avenida.
            Depois da sua morte, a fábrica fechou, mas começaram a circular histórias de que o espírito do velho Caselani ainda rondava por lá.
            Prova disso, por exemplo, foi quando, por ocasião do Dia do Meio Ambiente, vários acadêmicos fizeram cartazes sobre preservação ambiental e afixaram por todas as paredes do Centro de Eventos. Naquela tarde, depois que todos tinham ido embora, as mulheres começaram a limpar as salas e logo perceberam que os cartazes que estavam pendurados ao longo do corredor estavam caídos.
            À medida em que iam andando, iam recolocando os cartazes na parede. Quando chegaram ao final, olharam para trás e, um por um, começaram a se soltar novamente. Elas, sem entender, refizeram o trabalho – melhor isso do que deixar no chão ou jogar fora. Ao final, uma delas resolver fazer uma piada, e falou alto: “Nossa, seu Rubens, está nervoso com os cartazes?”. Assim que terminou a pergunta, todos os cartazes, ao mesmo tempo, soltaram-se e caíram.
            Em outra ocasião, uma das funcionárias estava fritando bolinhos para a hora do café. Quando terminou, ouviu um barulho de passos na sala vizinha, e lembrou-se de que era por ali que o velho Caselani entrava para o seu escritório, batendo os calçados no batente da porta. Antes de sair, ela falou: “Quer bolinhos, seu Rubens? Pode pegar”. Assim que voltou, o prato estava vazio...

            Essas histórias aconteceram de verdade com as funcionárias da limpeza da UFFS.
            Não se conhecem novas histórias como essas que tenham ocorrido no Centro de Eventos, depois da mudança da universidade. O que leva a crer que, durante a mudança e catalogação dos materiais, um novo bem patrimonial foi incorporado, e vai transitando pelos corredores e blocos do campus definitivo.

OLHOS GRANDES


Essa história aconteceu de verdade com uma funcionária da limpeza da UFFS.
Substituindo uma colega, que estava afastada para licença-maternidade, teve de ficar com o turno da noite, limpando os laboratórios após as últimas aulas.
Foi numa noite de quinta-feira. Ela fechou todas as portas, apagou as luzes e estava andando para o Bloco A, para entregar o molho de chaves para o vigilante e ir embora, quando um vulto distante lhe chamou a atenção. Era uma noite clara, de alta lua cheia no céu, então o que parecia um cachorro grande distinguiu-se bem, correndo no caminho de terra que ia do bloco dos professores até a parte mais distante do Laboratório 1. Dava pulos grandes, com o corpo bem pronunciado para a frente.
Assim que o bicho desapareceu atrás dos laboratórios, a mulher acelerou o passo até o Bloco A. Antes de entrar, ainda distinguiu um uivo triste e longo, fazendo com que sentisse um calafrio que percorreu toda a coluna em rastilho de gelo.
No dia seguinte, encontrou-se com o diretor do Campus e comentou sobre o estranho acontecimento da noite anterior. “Sim, sim. Pode deixar que vou falar para os vigilantes prestarem atenção”. Mas isso não foi o bastante para que a mulher se tranquilizasse. Lembrava-se do vulto, saltando em duas pernas e ecoando aquele uivo possante e triste.
Perdida em pensamentos, falou com suas colegas. “Isso é um lobisomem”, afirmou uma delas, fechando os olhos e mexendo a cabeça. A mulher não soube o que responder. Dizer que era um lobisomem parecia algo tão surreal quanto dizer que não era. Se não era esse ser folclórico, inexistente, então o que seria? Um urso? Um lobo? Um louco?
O dia passou e a noite também. A lua cheia parecia desafiar a mulher a atravessar o pátio dos laboratórios e chegar até o estacionamento. Ainda ficou vários minutos, apenas encarando a luz noturna e a escuridão em redor. Mas não podia ficar ali, nem parecer uma menina assustada. Então foi, entregou as chaves no Bloco A e caminhou com passos mais firmes até sua moto.
Em um instante, surgindo das escadas de acesso ao Bloco dos Professores, veio o bicho. Era gigante. Seu corpo era totalmente coberto de pelos negros, duros. As mãos e pés antes pareciam garras, terminadas em unhas curvas. Seu rosto, com um nariz proeminente, destacava dentes brancos, que dançavam dentro de sua boca que rosnava. Seus olhos eram de um verde-claro, quase hipnótico, impossível de se desviar.
A mulher já tinha dado a partida na moto, então, acordando daquela sonolência, acelerou. Acabou acertando o lado esquerdo do bicho, espalhando pedras por toda a parte e indo para casa, sem consciência alguma do que estava fazendo nem tempo de olhar para trás.
Não conseguiu dormir, pois todo barulho parecia-lhe uma ameaça, um alerta, um desafio.
No dia seguinte, bem cedo, foi até a sala do diretor. Não se importava em parecer louca, precisava exigir uma providência.
“Ontem encontrei aquele bicho que mencionei. Era um lobisomem e ele quase me atacou.”
O diretor ouviu com atenção, mas demonstrava certo desdém. “Lobisomem?” Disse que novas rondas seriam feitas, mas sugeriu que ela tirasse uns dias de folga, procurasse um médico, acalmasse os nervos.
Ele abriu a porta, e segurou o braço esquerdo. Parecia que estava machucado. Sorriu sem jeito, revelando à mulher uma fileira de dentes brancos, logo abaixo de dois grandes olhos verdes-claros.

Essa história aconteceu de verdade com uma funcionária da limpeza da UFFS.
Ela nunca mais comentou sobre o assunto, mudou-se de cidade e agora vive em relativa tranquilidade, trabalhando em casa, num apartamento no décimo-oitavo andar. O diretor foi convidado para assumir um cargo no Ministério da Educação, em Brasília. Estranho que, em algumas noites, uivos tristes ecoam pela Esplanada dos Ministérios...

A ÚLTIMA REFEIÇÃO


Essa história aconteceu de verdade no Restaurante Universitário da UFFS.
Todos ficaram impressionados com a beleza da máquina. Eram duas mulheres e um homem dentro da cozinha. Costumavam conversar enquanto preparavam as refeições, lavavam a louça e planejavam o cardápio semanal com a nutricionista do Campus. Mas, quando a proprietária da empresa responsável pelo Restaurante Universitário (RU) decidiu comprar a máquina, o clima ficou tão cinza entre os funcionários que havia pouca motivação para conversar como antes. Era o medo de serem demitidos em virtude da alta eficiência do equipamento.
A máquina, de procedência europeia e lançada no final do ano passado, era a nova tendência para a gestão de unidades de alimentação coletiva, como cozinhas escolares, restaurantes de grande porte e, claro, restaurantes universitários. Possui diversas funções: um grande forno multicombinado, higienizador de legumes, centrífuga de sucos, além de ter um compartimento para lavagem e secagem de louças. Como se não bastasse, ainda fazia um excelente cappuccino. Além de tudo isso, tinha um design tão agradável aos olhos que algumas pessoas arriscavam dizer que a máquina havia sido projetada por algum designer de veículos de alto padrão de uma multinacional. Era prateada, com detalhes em dourado. Na sua lateral direita, havia seu modelo escrito em letras grandes e reluzentes: Maruska. Logo abaixo das letras, havia uma peça de metal, na cor prateada, em forma de borboleta com as asas abertas. “Provavelmente é o símbolo da marca”, diziam os funcionários.
Como de costume, os alunos do curso de Nutrição faziam estágio curricular no RU. Em grupos de quatro pessoas, os estudantes acompanhavam a preparação dos alimentos, as condições de armazenagem, a limpeza do local e dos utensílios, dentre outras atividades. Com a chegada da supermáquina – como as pessoas se acostumaram a chamá-la - o estágio dos alunos ficaria diretamente ligado a ela.
No primeiro dia de estágio, uma das alunas ficou além do horário do expediente organizando os relatórios do dia. Os funcionários do RU pediram que ela chamasse um dos vigilantes da Universidade para fechar as portas quando ela tivesse terminado.
A moça, conhecida como “a azeda”, gostava de ficar sozinha, pois o silêncio a ajudava a se concentrar. Seus colegas quase agradeceram por ela se negar a ir junto com eles.
Um pequeno barulho, semelhante ao toque de um sino, rompeu o silêncio do ambiente. A garota notou que, dentro da máquina, um ponto vermelho piscava constantemente, como se, junto ao barulho, indicasse que alguma refeição estivesse pronta. Aproximou-se do forno da máquina e olhou pelo vidro da porta frontal, mas ele estava muito embaçado, transparecendo apenas o ponto vermelho. Curiosa, a garota abriu a porta, com cuidado, de cima para baixo. Colocando as luvas de proteção contra o calor, pegou a forma que estava lá dentro e a pôs à mesa. Era uma torta de carne- de-sol. Um prato típico do Nordeste brasileiro. A garota pensou várias vezes e, ainda sem a certeza de se estava fazendo a coisa certa, cortou uma fatia e comeu. Era deliciosa, com o característico sabor que só se encontraria em restaurantes típicos. Após saborear mais duas fatias, a moça se dirigiu novamente ao forno para guardar o resto da torta. Ao abrir a porta da máquina, sentiu que algo a atraiu para mais perto do forno. Tentou recuar, mas não conseguiu. Novamente algo invisível a puxou para ainda mais perto da máquina. Já sentindo o calor que emanava do forno, começou a se desesperar e a gritar, mas a atração para dentro do equipamento já estava se consumando. Involuntariamente, o braço esquerdo da estudante adentrou ao forno. Em seguida, a cabeça, o tórax e o outro braço. Gritando por socorro e chorando, a menina ainda tentou enroscar os pés em qualquer coisa que a segurasse do lado de fora por mais algum tempo - estava tentando sobreviver a qualquer custo – mas a porta se levantou, empurrando as pernas da menina para dentro, engolindo-a por inteiro e se fechando.  
Na manhã seguinte, os funcionários do RU se perguntavam o porquê de o Paraíba - apelido do auxiliar de cozinha nascido no estado de mesmo nome – não ter dado notícias desde o horário de intervalo dos funcionários no dia anterior, quando decidira conferir a validade de alguns produtos. Em seguida, chegaram os outros três estagiários, se perguntando onde estava sua colega, que resolvera trabalhar até mais tarde.
Naquele dia, o RU foi fechado com duas horas de antecedência, pois sem notícias das duas pessoas desaparecidas, os estagiários e funcionários tiveram de ir até à delegacia prestar depoimento.
No meio da noite, após sair da delegacia, um dos alunos lembrou-se de ter deixado seu celular em cima de um microondas do RU. Decidiu ir até a Universidade. Chegando na entrada do Campus, pediu para um vigilante abrir o RU. Ao entrar na cozinha, o rapaz avistou seu celular e uma luz vermelha que piscava logo acima dele, na parede. A luz vinha do forno da supermáquina. Foi até ele e o abriu. Assim como sua colega, pôs as luvas e retirou uma forma. Dessa vez, a torta era de limão. Como já passavam das 21h00min e ele ainda não havia jantado, olhou para a porta de entrada e notou que o vigilante estava do lado de fora da cozinha. Não pensou duas vezes e cortou um pedaço da torta. Colocou quase que o pedaço todo na boca, com medo de ser flagrado pelo vigia. A acidez do limão, misturada à crocância da massa, fez sua boca salivar. Tratou de comer rápido e guardar o restante da torta. Antes que pudesse soltar a forma, sentiu um solavanco no braço. Tentou puxá-lo para fora, mas foi em vão. Em poucos instantes, estava com o peito dentro do forno, tentando afastar a cabeça daquele calor. A máquina também se esforçava para sugá-lo, puxando-o cada vez mais forte. Em um ato de desespero, o rapaz se agarrou com as duas mãos em uma asa da borboleta de metal, abaixo da palavra “Maruska”. Quando o vigilante ouviu os gritos, entrou na cozinha depressa e não acreditou no que estava vendo. Metade do corpo do jovem estava sendo engolida por uma máquina. Antes que pudesse chegar até ele para ajudá-lo, a asa da borboleta se partiu e o rapaz foi tragado pela boca de metal da máquina. Não houve tempo para ele soltar a asa da borboleta e ela foi engolida junto com ele. Em estado de choque, o vigilante abriu a porta do forno, mas não havia nada lá.
Todos estavam com pena do pobre homem. Alguns pensavam que tantos anos trabalhando como vigilante o deixaram maluco, mas ele jurava que o forno devorara o estagiário.
A polícia local recebeu investigadores da capital para solucionar a onda de desaparecimentos de pessoas e qual a relação disso com o RU, mas a suposição de uma máquina estar engolindo pessoas estava totalmente descartada.
A proprietária da empresa administradora do RU, já desanimada com três desaparecimentos envolvendo seu nome e sua empresa, decidiu se desfazer de Maruska. Apesar de não acreditar na história do vigilante, sabia que os problemas começaram depois que ela adquiriu a supermáquina. Então, entrou em contato com o fabricante e, concordando em receber um valor menor do que ela havia pago, combinaram a devolução do equipamento.

Essa história aconteceu de verdade no Restaurante Universitário da UFFS.
            Logicamente, o volume de trabalho aumentaria significativamente sem a ajuda de Maruska. Por isso, foi contratada uma nova cozinheira. Alta, loira e robusta, era muito trabalhadora e simpática com os colegas e estagiários. Os demais funcionários ficavam impressionados com sua destreza na cozinha. Conhecia centenas de receitas e apesar de jovem – não devia ter mais que trinta anos – aparentava ter uma experiência enorme com cozinhas de restaurantes. E além disso, tinha uma bela tatuagem no braço direito: uma borboleta com apenas uma asa.

UM PROJETOR


Essa história aconteceu de verdade com um professor da UFFS.
            Ele tinha trinta e dois anos. Durante toda a sua vida acadêmica, esteve focado nos estudos. Não teve tempo para namoradas, nem mesmo amizades. Era muito tímido e envergonhado, mesmo tendo uma formação em licenciatura e um currículo vasto e diversificado, não tinha muita habilidade para dar aula.
            Quando o ano letivo começou, aquele professor perdeu a paz. Atrapalhava-se todo diante dos alunos, confundia as informações, nem conseguia conectar o seu computador ao projetor. Em uma aula, ficou meia hora tentando projetar. Desistiu, aceitou a ajuda de um aluno que, em dez segundos, pôs o projetor a funcionar. Quando saía daquela sala, ouviu em surdina dois alunos comentando: “De que adianta ter doutorado, se não sabe mexer nem com um projetor?”.
             Isso vai contribuindo para um quadro de depressão e síndrome do pânico. Ele começou a ter aversão a contatos sociais. Dizia: “Deem-me três projetos de pesquisa, mas não quero mais uma turma”. Por fim, entregou um atestado médico para tirar uma licença. Enquanto descia as escadas, ouviu dois alunos comentando: “É aquele ali? O ‘professor-projetor’?”. Aquilo foi demais para ele. Correu para seu carro e, sem olhar para os lados quando entrava na rodovia, acabou sendo atingido por um caminhão e morreu no local.
            Após os dias de luto, que consternaram toda a Universidade, as aulas recomeçaram. Estranhamente, o projetor da sala 301 – na qual ele geralmente dava aulas – não funcionava. Técnicos foram chamados. Testaram outros, mudaram a fiação elétrica, mas nada resultou. Naquela sala, por incrível que pareça, há alguma interferência...

Essa história aconteceu de verdade com um professor da UFFS.
            Algum tempo depois, no início de uma madrugada, quando os vigilantes conferiram se todas as salas estavam fechadas e luzes desligadas, o projetor defeituoso da sala 301 apareceu ligado. As portas estavam trancadas e não havia ninguém no interior. Registraram no livro de ocorrências, mas acharam melhor não entrar e desligá-lo. Não se deve incomodar alguém que está tentando aprender algo novo...