Essa história aconteceu de verdade com um professor de
física da UFFS.
Em todos os seus anos como docente, quase
três décadas, bastava olhar de relance a turma no primeiro dia de aula para
perceber com quais alunos ele se identificaria e quais mal lembraria os nomes.
A Física, especialmente a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade, seus
objetos de estudo, não eram assuntos com os quais todos se envolviam. E, para o
professor, não havia problema nisso. Ele sabia que muitos iriam para outros
ramos da Física, mas os que se deslumbrassem (como ele se deslumbrara, quando
era aluno) jamais o esqueceriam.
Quando estava na graduação, sentiu essa identificação
com um de seus professores. Passava horas conversando com ele. Não somente
sobre Física, mas sobre a sua vida, histórias de sua infância etc. E aquele
professor ouvia as suas histórias com muita atenção, inclusive complementando
que o mesmo tinha acontecido quando ele era acadêmico, e que também teve um
professor...
Seus devaneios foram interrompidos quando entrou na
sala de aula. Saudou os alunos todos, já notando alguns que olhavam para fora,
como se quisessem estar em qualquer outro lugar do universo ou dos muitos
universos, outros que afiavam os lápis e escreviam no caderno algumas palavras
quaisquer e outros que se arrumaram nas cadeiras, à espera de começar a aula.
Mas um aluno, no fundo da sala, lhe chamou a atenção.
Foi a armação dos óculos ou o modo de arquear os ombros, enfim, alguma coisa,
ainda abstrata, o incomodou.
A noite passou com a aula transcorrendo normalmente.
Quando chegou em casa, começou a olhar um álbum de fotografias (sim, ele ainda
tinha esse elemento analógico que, mais do que a tela de um computador ou
celular, mostrava a sua saudade de forma concreta). Vendo as suas fotos da
época de graduação, levou um susto. Lá estava o mesmo aluno que lhe chamou a
atenção, olhando e sorrindo timidamente para a câmera, com os mesmos óculos de
armação grossa e os ombros arcados. A foto de sua juventude estava
materializada em um rapaz que começara a cursar Física na UFFS.
Na noite seguinte, voltou àquela sala de aula, mas não
encontrou o aluno. Ficou pensando que foi apenas uma ilusão de óptica, porém,
quando chegava ao Bloco dos Professores, o rapaz estava sentado à sua espera.
“Professor, adorei a sua aula de ontem”. Pego assim, de surpresa, agradeceu. O
aluno disse que a área da Relatividade sempre lhe tinha interessado, até leu um
pouco sobre isso, mas queria saber mais e pedia indicações de livros.
O professor ficou muito espantado. Aquela energia para
ler, aquela vontade de conhecer mais sobre um assunto era muito parecida com a
força que o movia quando era estudante. Lembrou-se de quantas vezes importunou
o seu professor com suas leituras, suas descobertas (“Incômodo nenhum, rapaz,
sempre é bom conversarmos sobre Física”). A única tristeza que tinha dessa
época foi quando o seu professor, por um ataque fulminante do coração, caiu
morto na sua biblioteca, por cima de vários livros abertos. Mas isso se mostrou
como um incentivo a mais para seguir os passos dele, tornando-se um professor
que, mesmo que não fosse tão bom, ao menos se esforçaria para sê-lo.
Por isso se empenhou em compartilhar o ânimo do aluno,
incentivando-o a ler alguns livros introdutórios, convidando-o para auxiliar em
alguns experimentos etc. Já pensava em chamá-lo para ser monitor, quem sabe até
bolsista em alguma pesquisa. Assim, passar adiante essa necessidade física que
sentia de descobrir e investigar. Até deu-lhe um livro de presente, A teoria da relatividade especial e geral,
de Albert Einstein, com a dedicatória: “Que os mistérios do mundo lhe inspirem a
seguir buscando as maravilhas que ainda estão à espera”.
Alguns meses depois, num dia em que o aluno estava
ajudando a elaborar uma fórmula, o seu celular tocou. Ao se despedir, disse um
nome que o professor julgou familiar. “Quem é?”, “Minha irmã”. Espantou-se,
pois era também o nome de sua irmã. Na sequência, perguntou o nome de sua mãe,
de seu pai. E cada resposta lhe dava um susto maior, pois as coincidências não
eram apenas pontuais, mas beiravam uma espécie de paradoxo espaço-temporal.
Quis saber até onde iriam as coisas, e perguntou como foi a sua infância, os
nomes das namoradas, viagens que tinha feito. Quanto mais informações vinham,
mais estranha a situação inteira parecia.
As margens da loucura foram atingidas quando, vendo
uma pequena cicatriz no pulso esquerdo do aluno, perguntou como aconteceu aquilo.
O rapaz contou o acidente, à beira de uma piscina, que escorregou e cortou-se
numa pedra. O professor ficou estático e puxou a manga de sua camisa, para
esconder a sua própria cicatriz do pulso.
Nos dois dias seguintes, fechou-se na biblioteca.
Procurou em todos os seus livros, artigos, estudos, alguma coisa que pudesse,
minimamente, explicar toda aquela situação. Não era possível a repetição do
tempo, feita em contextos diferentes e, pior ainda, com ele tendo a real
consciência de que ele era uma etapa dentro daquele loop. Pegou um livro numa prateleira mais alta e, sem perceber, uma
fotografia caiu. Abriu o seu exemplar de A
teoria da relatividade especial e geral e, arregalando os olhos, leu a
dedicatória que seu professor tinha escrito: “Que os mistérios do mundo lhe
inspirem a seguir buscando as maravilhas que ainda estão à espera”. Com as mãos
tremendo, abaixou-se para pegar a fotografia. Sorrindo para a câmera, estavam
ele e seu professor. Mas poderia muito bem ser uma foto dele com seu aluno.
Sentindo um forte aperto no peito e um formigamento do
braço esquerdo, caiu no chão, com grande falta de ar.
Essa história aconteceu de verdade com um professor de
física da UFFS.
O ataque do coração foi fulminante. Toda a
universidade ficou transtornada, seus alunos fizeram muitas homenagens.
Especialmente o seu aluno que, diante dos incentivos constantes que seu
professor lhe deu, já estava decidido a seguir carreira acadêmica, como
professor.
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