Essa
história aconteceu de verdade com uma professora de Nutrição da UFFS.
Quando o Restaurante Universitário foi
finalizado, uma série de medidas foram tomadas antes de sua abertura ao
público. E toda essa organização ficou a cargo de uma professora
recém-contratada, justamente para concentrar-se nessa função inicialmente.
Ela não conversava com ninguém,
raras pessoas tinham ouvido a sua voz. Alguns técnicos, a equipe diretiva e os
envolvidos na abertura do RU. A todos os demais, ela parecia esquiva, uma
sombra que fugia de qualquer relação social. São as diferenças que se devem
respeitar, era o que se dizia para justificar essa atitude. Mas seu serviço,
ela realizava de modo impecável. Tanto que, após uma empresa assumir a produção
das refeições, ela julgou que seu trabalho estava concluído.
Um homem que também estava por lá,
no entanto, chamava-lhe a atenção. Sempre que olhava para ele, muito
disfarçadamente, ela notava que ele retribuía. Na verdade, parecia nunca a
perder de vista. Isso incomodava um pouco, mas acabou por se acostumar. Quando
tudo entrou na fase final, faltando três dias para a abertura oficial do RU,
esse homem aproveitou um momento em que ficaram afastados e pediu um minuto de
atenção. A professora, muito envergonhada, primeiro tentou murmurar uma
desculpa, mas logo foi interrompida. O homem falou que estava muito admirado
com o seu profissionalismo e mesmo com a pessoa dela, gostava da voz dela, e
descobriu-se apaixonado em uma vez que ela deixou escapar uma tímida risada,
por um comentário qualquer. Pediu, ou melhor, implorou que ela lhe concedesse a
honra de que fizesse um jantar para ela. A professora ainda tentou esquivar-se,
mas o homem foi taxativo, inclusive, aproveitando que ela possuía as chaves do RU,
ele traria tudo pronto. Falou que seria um segredo deles.
Na noite seguinte, então, caía uma
garoa fina. A professora olhou para aquele grande salão, cheio de mesas brancas
iluminadas por uma fraca porção da Lua, e, ao fundo, o homem tinha acendido duas
velas e disposto dois pratos.
Talvez pelo elemento de perigo que
havia em tudo aquilo, mas ela se sentia tomada por uma energia que nunca antes
sequer pensara existir. Sentou-se, jantaram. Era um peixe ao molho, preparado
com ervas de gosto desconhecido, que oscilavam entre o doce e o amargo. Os
olhos dele não a largavam um instante. Quando terminaram, o homem agradeceu por
ela ter vindo e pediu mil desculpas por colocá-la naquela situação. “Quero que
saiba que nunca quis que corresse riscos desnecessários, mas é que eu precisava
fazer alguma coisa. Jamais me perdoaria se deixasse passar essa oportunidade”.
A professora sentia-se desarmada, quase como se flutuasse.
E o homem pegou-lhe a mão sobre a
mesa. “Eu estou aqui há muito tempo. Estava aqui antes da UFFS. Antes dos
agricultores. Antes mesmo dos colonos virem para essa região. Mas todos eles
vinham, tomavam posse, destruíam, mas eu permanecia e me modificava. Conheço os
poderes de cada planta e consigo captar os nutrientes da terra, porque eu faço
parte da própria natureza.” A professora ouvia tudo isso, mas sem entender
exatamente o que as palavras queriam dizer. Ela parecia mergulhada num rio de
sons e luzes. Foi então que o homem lhe agarrou a mão, puxou uma agulha e,
muito rapidamente, furou-lhe um dedo e deixou pingar uma gota de sangue no copo
d’água que estava à sua frente. “Essa universidade veio para abalar a minha
natureza, e não posso permitir isso. Alguma coisa precisa ser feita e você,
infelizmente, será o caminho que posso usar, por isso fui me fazendo notar e me
aproximando”. E tomou a água em que o sangue caíra.
Despertando daquele torpor, a
professora viu que os olhos daquele homem adquiriram uma coloração esverdeada,
e que, como uma miragem, os cabelos daquele homem começaram a crescer. Ela
levantou-se correndo e, tropeçando, conseguiu sair do Restaurante, uma chuva
começou a cair e a professora começou a seguir o caminho de pedras até o Bloco
A, tentando achar alguém. Não conseguia gritar, e três passos adiante, perdeu
as forças das pernas e tombou.
Olhou para suas mãos e elas pareciam
sumir aos poucos, como se a chuva as apagasse. O homem se aproximou com passos
firmes e a encarou. A última coisa que a professora conseguiu enxergar, antes
de dissolver-se por completo, foi que, ao invés daquele homem, quem estava ali,
de pé, era uma pessoa idêntica a ela.
Essa história aconteceu de verdade
com uma professora de Nutrição da UFFS.
Quando o Restaurante Universitário
abriu, ninguém conseguia acreditar na mudança daquela professora. Conversava
com todos, ria abertamente e mostrava-se com uma voz forte e incisiva. Ela
adquiriu a admiração de todos e, aos poucos, foi conquistando alunos e colegas,
desenvolvendo projetos e pesquisas, envolvendo toda a comunidade, a cidade, a
região.
Tudo
isso pensando em chamar a atenção do Reitor e, quem sabe, convidá-lo para
jantar.