Essa história aconteceu de
verdade com uma professora da UFFS.
Após uma noite de aulas,
enquanto caminhava a passos curtos para o Bloco dos Professores, ela suspirava,
mas não de alívio. Havia dentro de si, desde a semana anterior, um peso, uma
angústia inexplicável. A professora esforçava-se para manter uma aparência de
normalidade, mas alguns alunos pareciam perceber esse incômodo e conversavam
com ela. Alguns colegas também. Mas tudo com certa distância, afinal, a vida
pessoal de cada um não diz respeito aos outros...
Nenhum
outro professor estava ali. Percorreu o corredor do segundo andar, desceu as
escadas e viu o vigilante, que aguardava a sua saída do Bloco, segurando a
chave da porta principal nas mãos. Ele ensaia um sorriso, meio a furto, e dá
uma despedida. “Boa noite, professora, quer que lhe acompanhe até o carro?”.
Ela aceita a gentileza, pois nunca se sabe o que se poderia encontrar no
estacionamento. O barulho das pedras se insinuava. “Sempre sou eu que fecho o
Bloco. O meu colega não gosta de vir aqui tão tarde. Diz que não sente boas
vibrações”. A professora deu um sorriso triste. Não acreditava nessas coisas,
nem dava muita importância ao plano espiritual. Para ela, religião ou ocultismo
eram somente tentativas humanas de dar sentido a algo inexplicável, por ser
inexistente.
Ela
entrou em seu carro, despediu-se do vigilante e foi para casa. Durante todo o
caminho, uma melancolia lhe nublou os olhos. Estava se sentido anestesiada,
como se uma droga estivesse atuando sobre seu corpo, mas era apenas a tristeza
de estar longe da capital. Às vezes tinha essa nostalgia, que ia crescendo até
se tornar uma ânsia de regressar.
No
dia seguinte, logo cedo, a campainha tocou. Era uma encomenda: um espelho da
sua altura, com uma moldura dourada, quase barroca, que ela comprara num estranho
antiquário da capital, pensando em decorar a sua sala no Bloco dos Professores.
Alguns docentes colocavam quadros, outros tinham prateleiras (muitas) com
livros (muitos), mas nenhum tinha um espelho e ela achou que seria interessante
trazer esse toque original e criativo para dar presença à sala. Havia um
bilhete colado ao vidro: “Uma forma de trazer Curitiba até você – ou você até
Curitiba”.
No
início da tarde, ela levou um martelo e instalou o espelho. Uma colega que
passava, voltou e se impressionou com a beleza do objeto, tinha um ar antigo,
de um outro tempo e lugar. Isso fez com que a professora se lembrasse da
conversa do vigilante, no dia anterior. E terminou ironizando que, naquele
Bloco, deveria ter “algo a mais”. Mas a outra professora tomou um ar fechado e
sombrio: “Não acho sem sentido o medo daquele vigilante. A Universidade pode
ter poucos anos de existência, mas guarda muitos segredos. Além do mais, o
lugar é afastado do meio urbano e pode sim acabar atraindo vibrações que estão
procurando refúgio”.
Enfim,
uma atmosfera pesada de “más vibrações” não era o que a professora queria,
especialmente por já ter as suas próprias vibrações conflituosas internas. Por
isso, deixou-se trabalhar sozinha em sua sala, de vez em quando olhando-se no
espelho, como se assim não se sentisse tão sozinha.
As
horas passaram voando e, num piscar de olhos, já era o final da noite.
Levantou-se da mesa e estava indo para a porta, quando uma sensação de
sufocamento tomou conta dela. Primeiro pensou que poderia ser uma crise (como
há muito tempo não tinha), mas, ao voltar seus olhos para o espelho, notou uma neblina
estranha, como se, pelo reflexo, sua sala estivesse tomada por uma fumaça
cinza-escura.
A
professora mal conseguia se mexer, parecendo hipnotizada. Esqueceu que estava
indo embora, mal pensava no que estava fazendo, apenas olhava para o espelho e,
pé ante pé, tentava observar algo em meio à névoa do outro lado.
Três
passos dados, começou a distinguir um vulto, que se aproximava no reflexo do
espelho. Esticou o braço e, com os dedos, encostou na superfície fria de vidro.
O arrepio que sentiu percorreu todo o seu corpo, mas não afastou a sua mão,
que, espalmada, refletia uma outra mão, possuidora de uma cor morta.
A
névoa do outro lado do espelho se dissipou um pouco, revelando uma forma humana
de mulher, muito magra e pálida, com um vestido fino e encardido que oscilava
ao sabor de uma brisa inexistente. Com surpresa, ela percebeu que aquela
mulher, em algum nível incompreensível, era ela. Os traços de ambas eram
parecidas, mas a mulher do espelho tinha olheiras escuras circundando seus
olhos, que eram dois poços negros que emanavam um ódio aniquilador. A
professora, baixando um pouco o olhar, notou que a boca da estranha figura se contorcia
num esgar, que poderia até ser um sorriso, se não revelassem uma crueldade
monstruosa.
Com
um esforço acima de suas forças, ela conseguiu remover a mão da superfície do
espelho. Mas a mulher do espelho começa a falar, em sons tão agudos que agridem
os ouvidos, obrigando a professora a buscar uma saída. A porta, sem explicação,
está trancada.
Sem
escapatória, tampando os ouvidos com as mãos, a professora sobe em sua mesa e
pula pela janela, quebrando o vidro e mergulhando na noite.
Essa história aconteceu de
verdade com uma professora da UFFS.
Na queda, ela acabou sofrendo
um traumatismo craniano e encontra-se em coma num hospital de Curitiba, sua
cidade natal. Todos os seus pertences foram enviados à família, exceto, por
razões desconhecidas, o espelho com moldura dourada. Ele está no sótão do Bloco
dos Professores, com uma rachadura no canto inferior, como se um pedaço tivesse
escapado pela moldura.
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