domingo, 3 de setembro de 2017

A PEDRA MARCADA

           Essa história aconteceu de verdade com um dos trabalhadores que construíram a passarela de acesso aos laboratórios da UFFS.
            Quando as retroescavadeiras e os caminhões vieram para começar os trabalhos, muitos homens roçaram o caminho, colocaram as pilhas de blocos, e prepararam tudo. O caminho já estava delimitado: começariam logo na sequência das escadas do Bloco A, seguia-se reto por cinco metros, dobrava-se à esquerda, passando por todo o lado do edifício, aí dobrava-se à direita e encerrava na entrada do bloco de laboratórios de número 1.
            As máquinas começaram a trabalhar, a escavadeira desceu sua pá gigantesca, arrancando a grama e o mato. No espaço de tempo que levou para depositar a terra na caçamba do caminhão próximo, um dos trabalhadores, que ficou logo ao lado, apreciando essa força mecânica, reparou num brilho súbito, que vinha dali mesmo da terra recém-revolvida. Com muita destreza, e antes que alguém mais percebesse, abaixou-se e apanhou uma pequena pedra, preta e com um suave formato oval. Parecia antes um daqueles seixos que ficam à beira dos rios do que uma pedra bruta enterrada. O brilho vinha de um desenho, que representava uma meia-lua com a concavidade voltada para baixo, e, no centro, algo que seria um homem-palito sem os braços.
            Assim que pegou, já guardou no bolso, para olhar depois com mais calma. E passou o resto do dia ajudando os demais e olhando os novos pedaços de terra remexida.
            Quando chegou em casa, foi até seu quarto, deitou-se na cama e ficou admirando os detalhes. O desenho era feito com uma suave tinta dourada, como se fosse ouro. O homem se pegou pensando se aquilo valeria alguma coisa ou se teria mais ouro enterrado na UFFS. Sua mulher chegou até a porta, olhou de modo geral e franziu o cenho: "Ué, pensei que ele já tinha chegado..." E saiu.
            O homem ficou sem entender, pois seu 1,80 m dificilmente passaria despercebido naquela cama. Deixou a pedra debaixo de seu travesseiro e foi para a sala: "Mulher, o que foi?". Ela se virou de um pulo: "Meu Deus, que susto! De onde veio? Acabei de ir no quarto e não achei você." Não houve resposta dele, mas uma ideia brotou em sua cabeça. E se aquela pedra, com aquele desenho, fizesse a pessoa ficar invisível?
No dia seguinte, resolveu tirar a prova. Logo cedo pôs a pedra no bolso, despediu-se da mulher (sendo retribuído) e foi para o canteiro de obras. Cumprimentou todos os companheiros e, logo que passou atrás de uma das pilhas de blocos, pegou a pedra de seu bolso e segurou-a com força na mão esquerda.
Olhou em torno, mas não sentiu nenhuma mudança. Deu alguns passos, andou entre os demais e ninguém estava prestando atenção nele. Alguns instantes depois, alguém gritou seu nome e todos se viraram. Começaram a procurar: “Viram Fulano?”, “Estava aqui ainda agora”, “Pois é, precisamos de todos aqui, vamos passar o rolo compressor e colocar os blocos todos”.
Não conseguiu segurar um sorriso, a sua descoberta lhe garantia um futuro inimaginável. Podia entrar em qualquer lugar, fazer o que quisesse que ninguém o descobriria. E, em sua mente, dois cenários se desenhavam: tanto podia roubar bancos e descobrir segredos, quanto ajudar a polícia a desmascarar bandidos. O seu caráter estava sendo desenhado ali, naquela hora, com todas as possibilidades abertas e sem ninguém que soubesse e o pudesse julgar.
Estava em devaneios quando todos se tinham afastado do caminho revolvido de terra por onde passaria a máquina para aplainar o terreno. Foi nessa hora que ele, por um reflexo de luz, visualizou uma segunda pedra tão perfeita quanto a primeira. Não pensou duas vezes, correu até lá e, com a mão direita, pegou a outra pedra, ficando com as duas em sua posse. Olhou para o desenho que lá estava: era um outro homem-palito, só que estava com os braços abertos e quatro retas fechavam um quadrado sobre ele.
Enquanto pensava qual seria o poder daquela pedra, o barulho do rolo compressor o despertou. Precisava sair dali para não ser atingido. Mas como, se não conseguia se mexer?
Foi com um olhar cheio de terror que ele se deu conta de que o poder daquela segunda pedra era juntamente imobilizar seu portador. Tentou jogar a primeira pedra, para que os outros o vissem e ele pudesse ser salvo, mas todos os seus músculos estavam petrificados. Nem mesmo gritar era possível.
A máquina veio devagar, mas a velocidade era constante. Não houve qualquer tremor quando passou por cima do seu corpo. Depois, todos os blocos foram depositados e o caminho até os laboratórios foi concluído.

Essa história aconteceu de verdade com um dos trabalhadores que construíram a passarela de acesso aos laboratórios da UFFS. Nem a mulher, nem os amigos souberam mais dele. Pensaram que tinha fugido com alguma amante. Mas alguns alunos perceberam que, quando andam na passarela, quase na curva para os laboratórios, há um suave desnível nos blocos

2 comentários: