Essa
história aconteceu de verdade com uma professora da UFFS.
Fazia quatro meses que ela tinha
começado a trabalhar como docente na Universidade, mas não passava um dia em
que ela não ficasse suspirando de orgulho. Era filha de Realeza, nascida e
criada. Quando menina, andou por todos esses lugares, nadou no Sarandi e
brincou com seus amigos até não poder mais no campo de soja e milho que era o
terreno onde, por incrível que pareça, hoje estão os prédios da UFFS.
Era até engraçado olhar as matas que
permaneceram ali, nos bairros em volta que vão aparecendo, e sente-se transportada
para seus oito anos, numa época mais calma e mais serena. Mas agora, com vinte
e nove, recém-doutora, voltar ao seu chão, depois de percorrer muitos estados e
vários países em estudos e congressos, era uma consagração e até o Sol parecia
que brilhava mais para ela.
E foi longe do Sol, numa noite em
que estava indo embora das aulas, que ouviu algo estranho no estacionamento
atrás do Bloco dos Professores. Já seria perto das onze horas, só havia quatro
carros remanescentes, os alunos todos já tinham ido no ônibus e movimentação
somente a dela mesma, encaminhando-se para o carro. O barulho de seus passos
nas pedras até trazia certo conforto, num ritmo calmo e contínuo. Abriu a porta
e ia entrar, quando ouviu um barulho das pedras, como se três passos ligeiros
fossem dados, seguido por uma voz feliz que disse: “Oi!”.
Virou-se, mas não viu ninguém. Até
deu a volta no carro, podia ser uma criança perdida (a voz parecia ser
infantil), mas nada. Só estava ela no estacionamento mal iluminado. Fechou-se
no carro, não conseguiu conter um arrepio, deu a partida e saiu espalhando as
pedras.
No dia seguinte, não mencionou o
fato. Devia ser imaginação sua, ou então uma lufada de vento vinda de lugar
nenhum, pois havia assobios que escapavam das frestas das janelas e brisas
fortes que passavam naquele terreno descampado. Convenceu-se disso, mas, chegou
cedo para deixar o carro o mais próximo possível e, depois das aulas da segunda
noite, ficou na porta do Bloco à espera que mais alguém viesse, para irem juntos
ao estacionamento.
Foram apenas alguns minutos até o
secretário sair. Trocaram os comentários triviais e despediram-se. Ele
estacionou alguns metros adiante. Quando ela abriu a porta, novamente três
passos ligeiros, seguidos do “Oi!” animado. Ela se virou assustada, o
secretário estava longe dela, mas mesmo assim a professora perguntou se ele
tinha dito alguma coisa. Fez que não com a cabeça e acenou um tchau. Ela também
e entrou no carro.
A cena se repetiu durante duas
semanas. Ela tentava ir em grupo, mas bastava um instante que ficasse sozinha,
logo antes de entrar no carro, para os passos e o “Oi!” se insinuarem. Não
conseguia mais dormir direito. Ir trabalhar passou a ser uma tortura. Terminava
as aulas antes, corria para o carro e, quando chegava em casa, chorava.
Os colegas perguntavam o que estava
acontecendo, mas ela não dizia, não podia dizer. Como explicar uma coisa que
ninguém acreditaria e todos achariam loucura? A situação chegava ao seu limite:
ou abandonaria tudo aquilo pelo que lutara, ou enfrentaria a voz, os passos e a
escuridão.
Na noite que se seguiu a essa
resolução, ela andou com passos firmes pelo estacionamento. Olhou a luz no alto
do poste central, e parou diante de seu carro. Respirou fundo três vezes, na
quarta vez, os passos vieram e o “Oi!” soou. Ela, enchendo-se de uma coragem
desconhecida, respondeu: “Oi. Quem é você?”
A resposta veio num sussurro: era um
nome feminino. Era o nome de uma amiga sua, da época de infância, que nunca
mais tinha visto. Lembrou-se de que, logo que chegou a Realeza, procurou por
essa menina, mas ninguém sabia dela. Alguns diziam que, quando criança, tinha
sido raptada, outros que fugiu de casa, outros ainda, mais macabros, que tinha
sido morta no meio do vasto campo de milho e soja, onde hoje é a UFFS, e seu
corpo foi enterrado em lugar incerto.
A professora pensou tudo isso, não
de modo ordenado, mas numa corrente incessante de imagens desconexas. Não sabia
o que fazer, ali imóvel, sentindo um ar pesado que quase se podia engolir.
Piscando muito os olhos, enxugou uma gota do rosto – lágrima, suor, quem sabe?
– e perguntou o que a menina queria. A resposta foi simples e direta:
“Brincar”.
O grito que se seguiu foi ouvido até
no Restaurante Universitário. Todos que ainda estava na UFFS correram ao estacionamento,
e viram a professora deitada nas pedras, com os olhos estáticos, encarando o
céu noturno e a luz do poste central.
Essa história aconteceu de verdade
com uma professora da UFFS.
Ela teve de ser afastada, recebendo
uma aposentadoria por invalidez, e hoje está sob cuidados médicos numa clínica de
recuperação em outro estado. Sempre que alguém menciona o fato dela ser
professora, ou ter vindo de Realeza, ela começa a se debater, gritando e
chorando. Quanto à voz, ela nunca mais foi ouvida. Embora alguns professores
tenham escutado os três passos ligeiros, não há nenhuma saudação. Talvez ela
seja tímida...
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