Essa história aconteceu de verdade com um
vigilante noturno da UFFS.
Entre
2010 e 2012, as aulas da universidade aconteceram no Centro de Eventos de
Realeza, um espaço onde originalmente funcionava uma indústria, chamada
“Parquet BW Itaipu”, e que teve de passar por várias adaptações para comportar
salas de aula dentro dos galpões. Levantaram-se paredes, mas o que chamava a
atenção era a enorme torre de tijolos, de mais de com a porta sempre trancada.
Durante
as madrugadas, muitos vigilantes afirmam terem ouvido gemidos e barulhos vindos
do alto da torre. Alguns davam uma risada nervosa, afirmando ser o fantasma do
velho Caselani, que ficou louco e agora rondava o Centro de Eventos. Mas um
deles, beirando os quarenta anos pediu para que não brincassem com as mortes
ocorridas ali, à época da fábrica, porque seu avô tinha sido uma vítima, em um
acidente estranho.
Foi
em novembro de 1983, com a fábrica celebrando 10 anos de funcionamento. Seu avô
era muito forte, segurando ripas de madeira que outros operários só conseguiam
carregar com muita ajuda e esforço. Ele tinha um cão muito fiel, de porte
médio, com grossos pelos cinzas, que o acompanhava durante todo o trajeto da
casa, durante o trabalho ficava pelos arredores e voltava como sombra dele, no
final do dia.
Pois
foi em um final de tarde, com o céu oscilando entre o rosa e o azul, que, do
alto da torre, quatro tijolos despencaram: três acertaram fatalmente a cabeça e
os braços de seu avô e um a perna dianteira do cachorro. Trouxeram o homem para
dentro, mas os ferimentos eram muito sérios, uma poça de sangue começava a se
formar no pátio da fábrica. O cachorro também foi recolhido e gania com grande
tristeza, parecia que mais por ver o dono naquele estado do que pelo seu próprio
machucado.
Disseram
que foi uma fatalidade, pois ninguém conseguiria jogar aqueles tijolos e
desaparecer. O homem morreu alguns dias depois. O cachorro, por não ficar
parado e sempre andar à procura do dono, fez com que a fratura não cicatrizasse
direito, de modo que ficou manco definitivamente. O que não era um problema,
pois tinha grande disposição, continuava andando por toda parte e, às vezes,
olhava para um ou para outro funcionário da fábrica, com grandes olhos tristes,
e ganindo tal qual um resmungo, como se perguntasse pelo dono.
Tempos
depois, a fábrica faliu. E o cachorro, em um dia que ninguém mais sabia dizer
qual, desapareceu. E agora, quase trinta anos depois, o neto daquele homem era
vigilante, no mesmo lugar da morte do avô... Por isso, brincadeiras não, por
respeito!
Alguns
dias depois de contar a história da morte do avô, o vigilante estava fazendo a
ronda noturna. Quando abriu a porta de metal do saguão central (que estava
funcionando como Auditório), a luz da lanterna iluminou, logo ali, diante dele,
uma grande poça de sangue. E, em algum lugar, um uivo ecoou, cortando o ar
frio.
Correu
para chamar alguém, sem conseguir organizar as palavras: “Venham, venham”.
Quando voltaram ali, acenderam as luzes todas, e verificaram que, ao invés de
sangue, seria, possivelmente, apenas uma mancha de óleo. O vigilante respirou
aliviado, mas ainda sentia-se incomodado.
No
dia seguinte, alguns alunos de Veterinária trouxeram um cachorro. “Acho que
sofreu um acidente aqui por perto”. O vigilante, que já se aprontava para
encerrar seu turno, ficou estático diante do cachorro que estava no colo de um
rapaz: tinha os mesmos olhos tristes, os mesmos pelos grossos e a mesma pata
quebrada do cachorro de seu avô.
Durante
todo o caminho, ficou pensando se seria possível um cachorro que desapareceu
trinta anos antes, ressurgir da mesma forma, e com as mesmas características.
O vigilante nunca contou
essa história a ninguém, pois sabia que não acreditariam nele. Mas aproveitou a
oportunidade para conviver com aquele cachorro, dando-lhe carinho e atenção,
pois era uma forma de conectar-se com seu avô. Enfim, essa é uma daquelas
coisas que não se explicam nem se entendem. Apenas se vivem e se sentem.
Essa
história aconteceu de verdade com um vigilante noturno da UFFS.
Quando
houve a mudança para o prédio definitivo, o vigilante pegou o cachorro e o
trouxe a tiracolo para o novo campus.
Não seria possível se separar dele, sendo uma lembrança, mesmo que absurda, do
avô. E o cachorro ainda anda pela UFFS, em companhia dos outros cães, mas
sempre parecendo andar à procura de alguma coisa ou alguém. Às vezes, quando
lhe dão atenção, ele vem a passos mancos e lança um olhar baixo e triste,
enquanto solta um resmungo.