Essa
história aconteceu de verdade com os vigilantes da UFFS.
Era
uma noite como outra qualquer. Não havia mais alunos, nem professores, nem
técnicos. A equipe de vigilantes preparava um chimarrão para enfrentar o frio
que já se ia anunciando no vento lá fora e nos uivos que escapavam pelas
frestas. Todos eles vestiam seus casacos, não tanto por sentirem frio, mas como
forma de conterem arrepios ocasionais. A lua estava em crescente, dando alguma
luz, mas não muita.
A
meia-noite passara há muito tempo e um dos vigilantes que tinha saído em ronda
estava demorando. Os outros dois começaram a se perguntar se alguma coisa tinha
acontecido: “Pelo tempo, dava para fazer duas rondas”. Nos segundos que se
passaram, a respiração de ambos podia ser ouvida. Foi quando o barulho do rádio
despertou a ambos: “Base na escuta?”. O susto foi apenas momentâneo, muito mais
devido ao vento do que ao rádio. “Base na escuta. Câmbio”, “Preciso de ajuda
aqui. Vi movimentação atrás do laboratório três, mas minha lanterna não está
funcionando.”, “Mas quer ajuda para quê?”, “Venha alguém, rápido”. O rádio
emudeceu.
Os
dois vigilantes da base olhavam sem reação para o aparelho. Não que estivessem
esperando uma nova chamada, mas o modo de falar do colega demonstrava
apreensão, angústia, medo, talvez. Eles se olharam e, sem qualquer palavra,
perguntavam qual dos dois iria ajudar o outro. Não podiam ficar ali muito tempo
sem reação, pois algo grave poderia estar acontecendo atrás dos laboratórios
com o colega.
O
mais destemido ou, pelo menos, o menos nervoso pegou sua lanterna, testou
antes, e foi em passo acelerado pela passarela traseira do Bloco A, rumo ao
Laboratório 3.
Com
sussurros, foi chamando o colega, apontando o facho de luz para o chão, para
não chamar muito a atenção. Nos fundos do prédio, encontrou o outro vigilante,
totalmente encostado à porta de vidro dos fundos, como se quisesse atravessá-la
só com apertar-se contra ela. Seu olhar estava petrificado, encarando a mata
que despontava por trás da Central de Reagentes. Ao ser perguntado o que
aconteceu, gaguejou algumas palavras soltas: “Era uma vaca... Ou cavalo... Era
grande... Passou... Lá... A lanterna...”
O
colega tentou acalmá-lo. Podia ser apenas a imaginação, devido ao vento ou à
luz fraca da lua, enfim, deveria haver uma explicação racional. Pensando que
era dever deles, como vigilantes, garantir a segurança do patrimônio da
universidade, respiraram fundo e os dois foram andando até o limite da mata,
agora com a lanterna em punho, apontada diretamente para as árvores próximas.
Só
se conseguia ouvir o vento deslizando nas folhas, a grama sendo amassada pelas
botas e as batidas frenéticas dos corações deles. O círculo amarelado da
lanterna movia-se de um lado para o outro, tremendo (“é o frio, é o frio”). Não
havia movimento, nem sinal suspeito.
Alguns minutos depois, já menos apreensivos,
concordaram em voltar à base.
Quando deram meia-volta, ouviram o barulho de
cascos, como se três ou quatro cavalos estivessem galopando na direção deles.
Acompanhado disso, alguma coisa que parecia um choro não humano, ou talvez uma
risada, ou a mistura das duas coisas. Não tiveram dúvidas: as portas do
laboratório estavam todas fechadas, tudo estava seguro, menos eles... então
correram no desespero de mil pernas, a lanterna abandonada, o Bloco A parecendo
estar a quilômetros de distância.
Voltaram à base, mal conseguindo respirar. O
vigilante que tinha ficado lá, vendo o estado dos colegas, esperou para poder
perguntar o que houve. Eles explicaram por alto, sem saber direito o que havia
para explicar. O outro arregalou os olhos. “Então é verdade o que contam...” Os
dois pararam de falar e o encararam, pedindo que continuasse: “Dizem que aqui
na região, há muito tempo, havia pessoas que faziam torturas contra os
moradores daqui. Era coisa bruta. Pegavam uma pessoa e quatro cavalos, um para
cada braço e perna. Aí davam chicotadas nos bichos, indo um para cada direção.
Dizem que esses corpos nunca mais eram encontrados...”
Os três se entreolharam. Aquele que foi primeiro
levantou-se, pegou o livro de ocorrências para escrever a ata e segurou a
caneta. O que escrever? “Diga que achou que viu uma movimentação suspeita atrás
do laboratório três, foi até o local e não encontrou nada”, “É melhor
assim...”.
Essa história aconteceu de verdade com os
vigilantes da UFFS.
Depois daquela noite, as rondas feitas durante
a madrugada se tornaram muito mais rápidas, especialmente atrás do Laboratório
3. E, se alguém reparar na ata que o vigilante redigiu, perceberá que a
expressão “movimentação suspeita” foi escrita com uma letra tremida.
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