domingo, 18 de março de 2018

OCUPADO!


Essa história aconteceu de verdade com um estudante da UFFS.
            Nos laboratórios, há um grande trânsito de gente. Nos inícios e finais das aulas, o corredor é subitamente tomado por conversas, risadas, portas abrindo, enfim, pessoas. No resto do tempo, algum funcionário transita, acadêmicos vão apressados para alguma sala. As luzes quase não são acesas durante o dia, pois não se vê necessidade, e sempre é bom manter uma consciência ecológica.
            Um aluno de Ciências Biológicas estava desenvolvendo uma pesquisa sobre as espécies vegetais do entorno da UFFS, há mais de dois anos, e praticamente vivia no laboratório 301. Mesmo nas tardes livres, gostava de ficar por ali, ou andar pelo campus, ou analisar amostras das últimas plantas recolhidas.
            Em um fim de tarde, com um silêncio pesado imperando, só interrompido por trovões abafados, ele fechou o armário e pensava em comer alguma coisa enquanto esperava as aulas da noite. Trancou a porta, entregou a chave ao técnico de plantão e, antes de sair, pensou em ir ao banheiro.
            As lâmpadas estavam apagadas, pois ainda havia uma sutil iluminação externa do sol, mesmo oculto por várias nuvens. O estudante se olhou no espelho, abriu a torneira e jogou um pouco de água no rosto. Ela não estava somente fria, estava estranhamente gelada, quase contendo cristais de gelo ou, pelo menos, assim pareceu-lhe. O fio de água minguou e fechou-se. Uma brisa ligeira, vinda de lugar nenhum, passou por ali, causando-lhe um calafrio. Soltando um riso curto de descrédito, apertou novamente a torneira, para comprovar a temperatura da água. Dessa vez, um vapor envolveu toda a pia, com o calor daquela água em ebulição.
            O rapaz deu um salto para trás, arregalando os olhos. Suas mãos estavam tremendo e ele não acreditava que tal mudança abrupta de temperatura fosse fisicamente possível, naquele ambiente. Já querendo secar as mãos e ir embora dali, olhou sem muita atenção para o piso na frente dos sanitários. De um deles, o terceiro a partir da porta, havia pegadas de terra em direção à saída. Como ele não tinha percebido isso ao entrar? Como aquilo não foi esfregado pelas mulheres da limpeza? E – após olhar com mais atenção – por que pareciam feitas de pés descalços?
            Tentou abrir aquela porta, mas ela estava trancada por dentro... Ajoelhou-se, espiou por baixo, não enxergou nada.
            Foi quando um suave som, como um engasgo, foi ouvido do outro lado daquela porta. Com muito medo, mas talvez sentindo mais curiosidade, o estudante bateu de leve, perguntando se estava tudo bem. Por alguns instantes, o barulho cessou. Depois, o trinco foi acionado e a porta começou lentamente a se abrir.
            Sentado no vaso sanitário estava um menino magro, pequeno, sem camisa, com os pés descalços sujos de terra. Mas o que mais se destacava eram os seus cabelos vermelhos, com uma cor de fogueira alta e viva, e seus olhos, como dois tições acesos, e sem pálpebras.
            O estudante deu três passos para trás até esbarrar nas pias e segurou-se com mãos trêmulas para não cair no chão. Os olhos do menino o encaravam, abriam-se em abismo indefinível, com somente uma centelha de luz morta oscilando no fundo. Saltou do vaso sanitário, pisando no chão com um som molhado, de barro sob os pés.
            “Vocês mataram muitas plantas para construir isso aqui”. O tom de voz do menino parecia transmitir uma repreensão, mas carregava também muita tristeza. O estudante gaguejou alguma coisa aos modos de desculpa, mesmo sem saber direito pelo que se estava desculpando.
            Mais passos foram dados. O menino de olhos profundos e cabelo cor de fogo já estava muito próximo, quase ao alcance do braço estendido. Foi então que houve uma mudança súbita: os cabelos se eriçaram, parecendo inflamar-se ainda mais; os olhos adquiriram uma coloração de ferro em brasa; os dentes, num sorriso tenebroso, estavam cobertos de um limo verde-escuro. “E isso não vai ficar assim!”
            Juntando forças desconhecidas, o estudante saltou pela pia, contornou a porta do banheiro e disparou em loucura pelo corredor, batendo em todas as portas e armários, tentando chamar a atenção de alguém. Um técnico estava voltando, estranhou o barulho e quis saber o que houve.
            O estudante apenas apontou para o banheiro, banhado em suor frio e mal conseguindo respirar. O técnico foi até lá, mas não encontrou nada. Apenas algumas pegadas de barro, que traçavam um caminho desencontrado até a janela que dava acesso aos fundos do edifício.

            Essa história aconteceu de verdade com um estudante da UFFS.
          Ninguém mais viu o estranho menino, embora às vezes sopre um vento dentro dos laboratórios, mesmo com portas e janelas fechadas, acompanhado de um som de engasgo. Quando ao estudante, ele abandonou a pesquisa e agora planta uma árvore por semana, pelo menos, e nem pisa mais na grama, com medo de estar sendo indelicado com a natureza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário