Essa
história aconteceu de verdade com um estudante da UFFS.
Nos laboratórios, há um grande trânsito de gente. Nos
inícios e finais das aulas, o corredor é subitamente tomado por conversas,
risadas, portas abrindo, enfim, pessoas. No resto do tempo, algum funcionário
transita, acadêmicos vão apressados para alguma sala. As luzes quase não são
acesas durante o dia, pois não se vê necessidade, e sempre é bom manter uma
consciência ecológica.
Um aluno de Ciências Biológicas estava desenvolvendo uma
pesquisa sobre as espécies vegetais do entorno da UFFS, há mais de dois anos, e
praticamente vivia no laboratório 301. Mesmo nas tardes livres, gostava de
ficar por ali, ou andar pelo campus, ou analisar amostras das últimas plantas
recolhidas.
Em um fim de tarde, com um silêncio pesado imperando, só
interrompido por trovões abafados, ele fechou o armário e pensava em comer
alguma coisa enquanto esperava as aulas da noite. Trancou a porta, entregou a
chave ao técnico de plantão e, antes de sair, pensou em ir ao banheiro.
As lâmpadas estavam apagadas, pois ainda havia uma sutil
iluminação externa do sol, mesmo oculto por várias nuvens. O estudante se olhou
no espelho, abriu a torneira e jogou um pouco de água no rosto. Ela não estava
somente fria, estava estranhamente gelada, quase contendo cristais de gelo ou,
pelo menos, assim pareceu-lhe. O fio de água minguou e fechou-se. Uma brisa
ligeira, vinda de lugar nenhum, passou por ali, causando-lhe um calafrio. Soltando
um riso curto de descrédito, apertou novamente a torneira, para comprovar a
temperatura da água. Dessa vez, um vapor envolveu toda a pia, com o calor
daquela água em ebulição.
O rapaz deu um salto para trás, arregalando os olhos.
Suas mãos estavam tremendo e ele não acreditava que tal mudança abrupta de
temperatura fosse fisicamente possível, naquele ambiente. Já querendo secar as
mãos e ir embora dali, olhou sem muita atenção para o piso na frente dos
sanitários. De um deles, o terceiro a partir da porta, havia pegadas de terra
em direção à saída. Como ele não tinha percebido isso ao entrar? Como aquilo
não foi esfregado pelas mulheres da limpeza? E – após olhar com mais atenção –
por que pareciam feitas de pés descalços?
Tentou abrir aquela porta, mas ela estava trancada por
dentro... Ajoelhou-se, espiou por baixo, não enxergou nada.
Foi quando um suave som, como um engasgo, foi ouvido do
outro lado daquela porta. Com muito medo, mas talvez sentindo mais curiosidade,
o estudante bateu de leve, perguntando se estava tudo bem. Por alguns instantes,
o barulho cessou. Depois, o trinco foi acionado e a porta começou lentamente a
se abrir.
Sentado no vaso sanitário estava um menino magro,
pequeno, sem camisa, com os pés descalços sujos de terra. Mas o que mais se
destacava eram os seus cabelos vermelhos, com uma cor de fogueira alta e viva,
e seus olhos, como dois tições acesos, e sem pálpebras.
O estudante deu três passos para trás até esbarrar nas
pias e segurou-se com mãos trêmulas para não cair no chão. Os olhos do menino o
encaravam, abriam-se em abismo indefinível, com somente uma centelha de luz
morta oscilando no fundo. Saltou do vaso sanitário, pisando no chão com um som
molhado, de barro sob os pés.
“Vocês mataram muitas plantas para construir isso aqui”.
O tom de voz do menino parecia transmitir uma repreensão, mas carregava também
muita tristeza. O estudante gaguejou alguma coisa aos modos de desculpa, mesmo
sem saber direito pelo que se estava desculpando.
Mais passos foram dados. O menino de olhos profundos e
cabelo cor de fogo já estava muito próximo, quase ao alcance do braço
estendido. Foi então que houve uma mudança súbita: os cabelos se eriçaram,
parecendo inflamar-se ainda mais; os olhos adquiriram uma coloração de ferro em
brasa; os dentes, num sorriso tenebroso, estavam cobertos de um limo
verde-escuro. “E isso não vai ficar assim!”
Juntando forças desconhecidas, o estudante saltou pela
pia, contornou a porta do banheiro e disparou em loucura pelo corredor, batendo
em todas as portas e armários, tentando chamar a atenção de alguém. Um técnico
estava voltando, estranhou o barulho e quis saber o que houve.
O estudante apenas apontou para o banheiro, banhado em
suor frio e mal conseguindo respirar. O técnico foi até lá, mas não encontrou
nada. Apenas algumas pegadas de barro, que traçavam um caminho desencontrado
até a janela que dava acesso aos fundos do edifício.
Essa história aconteceu de verdade
com um estudante da UFFS.
Ninguém
mais viu o estranho menino, embora às vezes sopre um vento dentro dos
laboratórios, mesmo com portas e janelas fechadas, acompanhado de um som de
engasgo. Quando ao estudante, ele abandonou a pesquisa e agora planta uma
árvore por semana, pelo menos, e nem pisa mais na grama, com medo de estar
sendo indelicado com a natureza.
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