domingo, 18 de março de 2018

OLHOS GRANDES


Essa história aconteceu de verdade com uma funcionária da limpeza da UFFS.
Substituindo uma colega, que estava afastada para licença-maternidade, teve de ficar com o turno da noite, limpando os laboratórios após as últimas aulas.
Foi numa noite de quinta-feira. Ela fechou todas as portas, apagou as luzes e estava andando para o Bloco A, para entregar o molho de chaves para o vigilante e ir embora, quando um vulto distante lhe chamou a atenção. Era uma noite clara, de alta lua cheia no céu, então o que parecia um cachorro grande distinguiu-se bem, correndo no caminho de terra que ia do bloco dos professores até a parte mais distante do Laboratório 1. Dava pulos grandes, com o corpo bem pronunciado para a frente.
Assim que o bicho desapareceu atrás dos laboratórios, a mulher acelerou o passo até o Bloco A. Antes de entrar, ainda distinguiu um uivo triste e longo, fazendo com que sentisse um calafrio que percorreu toda a coluna em rastilho de gelo.
No dia seguinte, encontrou-se com o diretor do Campus e comentou sobre o estranho acontecimento da noite anterior. “Sim, sim. Pode deixar que vou falar para os vigilantes prestarem atenção”. Mas isso não foi o bastante para que a mulher se tranquilizasse. Lembrava-se do vulto, saltando em duas pernas e ecoando aquele uivo possante e triste.
Perdida em pensamentos, falou com suas colegas. “Isso é um lobisomem”, afirmou uma delas, fechando os olhos e mexendo a cabeça. A mulher não soube o que responder. Dizer que era um lobisomem parecia algo tão surreal quanto dizer que não era. Se não era esse ser folclórico, inexistente, então o que seria? Um urso? Um lobo? Um louco?
O dia passou e a noite também. A lua cheia parecia desafiar a mulher a atravessar o pátio dos laboratórios e chegar até o estacionamento. Ainda ficou vários minutos, apenas encarando a luz noturna e a escuridão em redor. Mas não podia ficar ali, nem parecer uma menina assustada. Então foi, entregou as chaves no Bloco A e caminhou com passos mais firmes até sua moto.
Em um instante, surgindo das escadas de acesso ao Bloco dos Professores, veio o bicho. Era gigante. Seu corpo era totalmente coberto de pelos negros, duros. As mãos e pés antes pareciam garras, terminadas em unhas curvas. Seu rosto, com um nariz proeminente, destacava dentes brancos, que dançavam dentro de sua boca que rosnava. Seus olhos eram de um verde-claro, quase hipnótico, impossível de se desviar.
A mulher já tinha dado a partida na moto, então, acordando daquela sonolência, acelerou. Acabou acertando o lado esquerdo do bicho, espalhando pedras por toda a parte e indo para casa, sem consciência alguma do que estava fazendo nem tempo de olhar para trás.
Não conseguiu dormir, pois todo barulho parecia-lhe uma ameaça, um alerta, um desafio.
No dia seguinte, bem cedo, foi até a sala do diretor. Não se importava em parecer louca, precisava exigir uma providência.
“Ontem encontrei aquele bicho que mencionei. Era um lobisomem e ele quase me atacou.”
O diretor ouviu com atenção, mas demonstrava certo desdém. “Lobisomem?” Disse que novas rondas seriam feitas, mas sugeriu que ela tirasse uns dias de folga, procurasse um médico, acalmasse os nervos.
Ele abriu a porta, e segurou o braço esquerdo. Parecia que estava machucado. Sorriu sem jeito, revelando à mulher uma fileira de dentes brancos, logo abaixo de dois grandes olhos verdes-claros.

Essa história aconteceu de verdade com uma funcionária da limpeza da UFFS.
Ela nunca mais comentou sobre o assunto, mudou-se de cidade e agora vive em relativa tranquilidade, trabalhando em casa, num apartamento no décimo-oitavo andar. O diretor foi convidado para assumir um cargo no Ministério da Educação, em Brasília. Estranho que, em algumas noites, uivos tristes ecoam pela Esplanada dos Ministérios...

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