Essa história aconteceu de verdade com um formando
da UFFS.
Toda
a gente sabe que o processo de concluir um curso de graduação, independente de
qual seja, exige do aluno uma série de comprometimentos. São muitos
professores, são muitos textos, e são poucos momentos em que se pode desligar
desse mundo. Da mesma forma, o Trabalho de Conclusão de Curso torna-se sinônimo
de angústia e ansiedade, seja na figura do orientador que não se envolve ou se
envolve demais, seja nos materiais que são poucos ou são muitos, seja na
escrita que não vem...
Quando,
enfim, o trabalho é entregue, nem assim a tensão some, pois ainda se deve
apresentar diante de uma banca. No caso daquele formando, ele chegou à UFFS no
meio da tarde. Ele tinha uma alta tendência antissocial. Não conseguia se
concentrar em casa para terminar sua apresentação, pois sua irmã estava no
andar de baixo. E os vizinhos estavam sentados na varanda, olhando a paisagem.
Então pensou em ir à universidade, sentar-se na biblioteca e, em meio ao
silêncio e aos livros, arrumasse as informações na meia dúzia de slides que faltavam.
Mas
até a respiração do bibliotecário no outro extremo da sala, uma mosca batendo
no vidro, tudo era fonte para o desconcentrar. Não queria ninguém à sua volta! De
maneira brusca, levantou-se, pegou o notebook, e foi para trás do Laboratório
2. Àquela hora, já com o sol se ocultando, com as sombras longas do edifício e
das árvores em redor, não havia qualquer pessoa visível. Enfim, a paz da
solidão!
Na
verdade, todo aquele silêncio até lhe dava certo incômodo. Parecia entrar numa
dimensão paralela, em que somente ele existia, e até o vento se ausentara. O
formando expulsou de sua cabeça essa paranoia, pois toda a sua concentração
deveria estar na tela do computador. O relógio, indiferente à tensão, rodava
seus ponteiros rumo à hora de sua apresentação. O jovem encostou-se à parede
externa do Laboratório 2, sentou-se no chão e começou a trabalhar.
Faltava menos de uma hora
para a defesa, as sombras já dominavam quase totalmente a paisagem da UFFS, e nem
um slide a mais havia sido feito. O formando começou a sentir raiva de si
mesmo, depois de estudar tanto aquele assunto, já ter escrito artigos,
apresentado trabalhos em eventos, como era possível estar travado nessa hora?
Começou a olhar perdido para os lados, encarou com a cabeça mal voltada para a
mata atrás do Laboratório 2 e, num processo associativo, lembrou-se de uma
história que ouvira, quando menino:
Sempre que os tropeiros
andavam por aquelas terras, quando se passavam dias sem encontrar residência,
às vezes se faziam pactos com seres das matas (alguns benéficos, outros nem
tanto). Jogavam uma pedra na mata, suplicavam um pedido. Assim que fosse
atendido, tinha de dizer “Devolva a pedra, amigo!”. Ela seria jogada de volta e
se devia imediatamente colocar essa pedra junto com presentes de agradecimento,
caso contrário o ser poderia perseguir o viajante...
Rindo-se por se ter lembrado
dessa história, segurou uma pedra redonda que estava ali ao lado, jogou longe
na mata e pediu, implorou que conseguisse terminar a apresentação a tempo. Por
alguns minutos, nada aconteceu. Um pequeno galho que tinha dobrado com o peso
da pedra voltou ao lugar. Tudo continuou parado.
O jovem balançou a cabeça,
respirou fundo e voltou para a tela do computador. Por ter desviado sua
atenção, toda aquela informação tornou-se mais clara a ele. Não havia
necessidade de incluir tudo aquilo na apresentação. Bastava concluir, retomando
os pontos dos três primeiros slides, e explicar a partir dos dados coletados e
das experiências feitas.
Dez minutos depois,
ergueu-se com a energia de um vitorioso. Lá estava ela: a sua apresentação.
Exata, precisa, sem informações desnecessárias, como ele queria.
Arrumou sua mochila e estava
pronto para enfrentar a banca, quando um pensamento cruzou seu olhar. Será que
ele conseguiu terminar, porque fez o pedido ao “ser da mata”? Na dúvida, ergueu
um braço e falou com certo desdém, como se recitasse: “Devolva a pedra,
amigo!”.
Três segundos se passaram,
um vento soprou e a pedra lançada veio, rolando devagar, pelo pequeno morro de
acesso à mata.
Essa história aconteceu de verdade com um formando
da UFFS.
Ele
não conseguiu defender o TCC naquela noite, nem naquele mês. Só conseguiu pisar
novamente na universidade no ano seguinte. Teve de fazer um acompanhamento
psiquiátrico e tomar remédios pesados para a ansiedade. Em compensação,
tornou-se mais sociável, não aguentando ficar mais do que dez minutos sozinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário