domingo, 18 de março de 2018

DEVOLVA A PEDRA, AMIGO


Essa história aconteceu de verdade com um formando da UFFS.
            Toda a gente sabe que o processo de concluir um curso de graduação, independente de qual seja, exige do aluno uma série de comprometimentos. São muitos professores, são muitos textos, e são poucos momentos em que se pode desligar desse mundo. Da mesma forma, o Trabalho de Conclusão de Curso torna-se sinônimo de angústia e ansiedade, seja na figura do orientador que não se envolve ou se envolve demais, seja nos materiais que são poucos ou são muitos, seja na escrita que não vem...
            Quando, enfim, o trabalho é entregue, nem assim a tensão some, pois ainda se deve apresentar diante de uma banca. No caso daquele formando, ele chegou à UFFS no meio da tarde. Ele tinha uma alta tendência antissocial. Não conseguia se concentrar em casa para terminar sua apresentação, pois sua irmã estava no andar de baixo. E os vizinhos estavam sentados na varanda, olhando a paisagem. Então pensou em ir à universidade, sentar-se na biblioteca e, em meio ao silêncio e aos livros, arrumasse as informações na meia dúzia de slides que faltavam.
            Mas até a respiração do bibliotecário no outro extremo da sala, uma mosca batendo no vidro, tudo era fonte para o desconcentrar. Não queria ninguém à sua volta! De maneira brusca, levantou-se, pegou o notebook, e foi para trás do Laboratório 2. Àquela hora, já com o sol se ocultando, com as sombras longas do edifício e das árvores em redor, não havia qualquer pessoa visível. Enfim, a paz da solidão!
            Na verdade, todo aquele silêncio até lhe dava certo incômodo. Parecia entrar numa dimensão paralela, em que somente ele existia, e até o vento se ausentara. O formando expulsou de sua cabeça essa paranoia, pois toda a sua concentração deveria estar na tela do computador. O relógio, indiferente à tensão, rodava seus ponteiros rumo à hora de sua apresentação. O jovem encostou-se à parede externa do Laboratório 2, sentou-se no chão e começou a trabalhar.
Faltava menos de uma hora para a defesa, as sombras já dominavam quase totalmente a paisagem da UFFS, e nem um slide a mais havia sido feito. O formando começou a sentir raiva de si mesmo, depois de estudar tanto aquele assunto, já ter escrito artigos, apresentado trabalhos em eventos, como era possível estar travado nessa hora? Começou a olhar perdido para os lados, encarou com a cabeça mal voltada para a mata atrás do Laboratório 2 e, num processo associativo, lembrou-se de uma história que ouvira, quando menino:
Sempre que os tropeiros andavam por aquelas terras, quando se passavam dias sem encontrar residência, às vezes se faziam pactos com seres das matas (alguns benéficos, outros nem tanto). Jogavam uma pedra na mata, suplicavam um pedido. Assim que fosse atendido, tinha de dizer “Devolva a pedra, amigo!”. Ela seria jogada de volta e se devia imediatamente colocar essa pedra junto com presentes de agradecimento, caso contrário o ser poderia perseguir o viajante...
Rindo-se por se ter lembrado dessa história, segurou uma pedra redonda que estava ali ao lado, jogou longe na mata e pediu, implorou que conseguisse terminar a apresentação a tempo. Por alguns minutos, nada aconteceu. Um pequeno galho que tinha dobrado com o peso da pedra voltou ao lugar. Tudo continuou parado.
O jovem balançou a cabeça, respirou fundo e voltou para a tela do computador. Por ter desviado sua atenção, toda aquela informação tornou-se mais clara a ele. Não havia necessidade de incluir tudo aquilo na apresentação. Bastava concluir, retomando os pontos dos três primeiros slides, e explicar a partir dos dados coletados e das experiências feitas.
Dez minutos depois, ergueu-se com a energia de um vitorioso. Lá estava ela: a sua apresentação. Exata, precisa, sem informações desnecessárias, como ele queria.
Arrumou sua mochila e estava pronto para enfrentar a banca, quando um pensamento cruzou seu olhar. Será que ele conseguiu terminar, porque fez o pedido ao “ser da mata”? Na dúvida, ergueu um braço e falou com certo desdém, como se recitasse: “Devolva a pedra, amigo!”.
Três segundos se passaram, um vento soprou e a pedra lançada veio, rolando devagar, pelo pequeno morro de acesso à mata.

Essa história aconteceu de verdade com um formando da UFFS.

            Ele não conseguiu defender o TCC naquela noite, nem naquele mês. Só conseguiu pisar novamente na universidade no ano seguinte. Teve de fazer um acompanhamento psiquiátrico e tomar remédios pesados para a ansiedade. Em compensação, tornou-se mais sociável, não aguentando ficar mais do que dez minutos sozinho.

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