Essa história aconteceu de verdade no
Restaurante Universitário da UFFS.
Todos
ficaram impressionados com a beleza da máquina. Eram duas mulheres e um homem
dentro da cozinha. Costumavam conversar enquanto preparavam as refeições, lavavam
a louça e planejavam o cardápio semanal com a nutricionista do Campus. Mas,
quando a proprietária da empresa responsável pelo Restaurante Universitário
(RU) decidiu comprar a máquina, o clima ficou tão cinza entre os funcionários
que havia pouca motivação para conversar como antes. Era o medo de serem
demitidos em virtude da alta eficiência do equipamento.
A
máquina, de procedência europeia e lançada no final do ano passado, era a nova
tendência para a gestão de unidades de alimentação coletiva, como cozinhas
escolares, restaurantes de grande porte e, claro, restaurantes universitários.
Possui diversas funções: um grande forno multicombinado, higienizador de
legumes, centrífuga de sucos, além de ter um compartimento para lavagem e
secagem de louças. Como se não bastasse, ainda fazia um excelente cappuccino.
Além de tudo isso, tinha um design tão agradável aos olhos que algumas pessoas
arriscavam dizer que a máquina havia sido projetada por algum designer de
veículos de alto padrão de uma multinacional. Era prateada, com detalhes em
dourado. Na sua lateral direita, havia seu modelo escrito em letras grandes e
reluzentes: Maruska. Logo abaixo das letras, havia uma peça de metal, na cor
prateada, em forma de borboleta com as asas abertas. “Provavelmente é o símbolo
da marca”, diziam os funcionários.
Como
de costume, os alunos do curso de Nutrição faziam estágio curricular no RU. Em
grupos de quatro pessoas, os estudantes acompanhavam a preparação dos
alimentos, as condições de armazenagem, a limpeza do local e dos utensílios,
dentre outras atividades. Com a chegada da supermáquina – como as pessoas se
acostumaram a chamá-la - o estágio dos alunos ficaria diretamente ligado a ela.
No
primeiro dia de estágio, uma das alunas ficou além do horário do expediente
organizando os relatórios do dia. Os funcionários do RU pediram que ela
chamasse um dos vigilantes da Universidade para fechar as portas quando ela
tivesse terminado.
A moça, conhecida como “a
azeda”, gostava de ficar sozinha, pois o silêncio a ajudava a se concentrar.
Seus colegas quase agradeceram por ela se negar a ir junto com eles.
Um pequeno barulho,
semelhante ao toque de um sino, rompeu o silêncio do ambiente. A garota notou
que, dentro da máquina, um ponto vermelho piscava constantemente, como se,
junto ao barulho, indicasse que alguma refeição estivesse pronta. Aproximou-se
do forno da máquina e olhou pelo vidro da porta frontal, mas ele estava muito
embaçado, transparecendo apenas o ponto vermelho. Curiosa, a garota abriu a
porta, com cuidado, de cima para baixo. Colocando as luvas de proteção contra o
calor, pegou a forma que estava lá dentro e a pôs à mesa. Era uma torta de
carne- de-sol. Um prato típico do Nordeste brasileiro. A garota pensou várias
vezes e, ainda sem a certeza de se estava fazendo a coisa certa, cortou uma
fatia e comeu. Era deliciosa, com o característico sabor que só se encontraria
em restaurantes típicos. Após saborear mais duas fatias, a moça se dirigiu
novamente ao forno para guardar o resto da torta. Ao abrir a porta da máquina,
sentiu que algo a atraiu para mais perto do forno. Tentou recuar, mas não
conseguiu. Novamente algo invisível a puxou para ainda mais perto da máquina.
Já sentindo o calor que emanava do forno, começou a se desesperar e a gritar,
mas a atração para dentro do equipamento já estava se consumando.
Involuntariamente, o braço esquerdo da estudante adentrou ao forno. Em seguida,
a cabeça, o tórax e o outro braço. Gritando por socorro e chorando, a menina
ainda tentou enroscar os pés em qualquer coisa que a segurasse do lado de fora
por mais algum tempo - estava tentando sobreviver a qualquer custo – mas a
porta se levantou, empurrando as pernas da menina para dentro, engolindo-a por
inteiro e se fechando.
Na manhã seguinte, os
funcionários do RU se perguntavam o porquê de o Paraíba - apelido do auxiliar
de cozinha nascido no estado de mesmo nome – não ter dado notícias desde o
horário de intervalo dos funcionários no dia anterior, quando decidira conferir
a validade de alguns produtos. Em seguida, chegaram os outros três estagiários,
se perguntando onde estava sua colega, que resolvera trabalhar até mais tarde.
Naquele dia, o RU foi
fechado com duas horas de antecedência, pois sem notícias das duas pessoas
desaparecidas, os estagiários e funcionários tiveram de ir até à delegacia
prestar depoimento.
No meio da noite, após sair
da delegacia, um dos alunos lembrou-se de ter deixado seu celular em cima de um
microondas do RU. Decidiu ir até a Universidade. Chegando na entrada do Campus,
pediu para um vigilante abrir o RU. Ao entrar na cozinha, o rapaz avistou seu
celular e uma luz vermelha que piscava logo acima dele, na parede. A luz vinha
do forno da supermáquina. Foi até ele e o abriu. Assim como sua colega, pôs as
luvas e retirou uma forma. Dessa vez, a torta era de limão. Como já passavam
das 21h00min e ele ainda não havia jantado, olhou para a porta de entrada e
notou que o vigilante estava do lado de fora da cozinha. Não pensou duas vezes
e cortou um pedaço da torta. Colocou quase que o pedaço todo na boca, com medo
de ser flagrado pelo vigia. A acidez do limão, misturada à crocância da massa,
fez sua boca salivar. Tratou de comer rápido e guardar o restante da torta.
Antes que pudesse soltar a forma, sentiu um solavanco no braço. Tentou puxá-lo
para fora, mas foi em vão. Em poucos instantes, estava com o peito dentro do
forno, tentando afastar a cabeça daquele calor. A máquina também se esforçava
para sugá-lo, puxando-o cada vez mais forte. Em um ato de desespero, o rapaz se
agarrou com as duas mãos em uma asa da borboleta de metal, abaixo da palavra
“Maruska”. Quando o vigilante ouviu os gritos, entrou na cozinha depressa e não
acreditou no que estava vendo. Metade do corpo do jovem estava sendo engolida
por uma máquina. Antes que pudesse chegar até ele para ajudá-lo, a asa da
borboleta se partiu e o rapaz foi tragado pela boca de metal da máquina. Não
houve tempo para ele soltar a asa da borboleta e ela foi engolida junto com
ele. Em estado de choque, o vigilante abriu a porta do forno, mas não havia nada
lá.
Todos estavam com pena do
pobre homem. Alguns pensavam que tantos anos trabalhando como vigilante o
deixaram maluco, mas ele jurava que o forno devorara o estagiário.
A polícia local recebeu
investigadores da capital para solucionar a onda de desaparecimentos de pessoas
e qual a relação disso com o RU, mas a suposição de uma máquina estar engolindo
pessoas estava totalmente descartada.
A proprietária da empresa
administradora do RU, já desanimada com três desaparecimentos envolvendo seu
nome e sua empresa, decidiu se desfazer de Maruska. Apesar de não acreditar na
história do vigilante, sabia que os problemas começaram depois que ela adquiriu
a supermáquina. Então, entrou em contato com o fabricante e, concordando em
receber um valor menor do que ela havia pago, combinaram a devolução do
equipamento.
Essa história aconteceu de
verdade no Restaurante Universitário da UFFS.
Logicamente,
o volume de trabalho aumentaria significativamente sem a ajuda de Maruska. Por
isso, foi contratada uma nova cozinheira. Alta, loira e robusta, era muito
trabalhadora e simpática com os colegas e estagiários. Os demais funcionários
ficavam impressionados com sua destreza na cozinha. Conhecia centenas de
receitas e apesar de jovem – não devia ter mais que trinta anos – aparentava
ter uma experiência enorme com cozinhas de restaurantes. E além disso, tinha
uma bela tatuagem no braço direito: uma borboleta com apenas uma asa.
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